25/01/2008

Ontem não pude evitar mais umas lágrimas no autocarro... e mais umas quantas no Metro. Porquê? Porque fui assaltada por um dos medos mais humanos que podem existir. Aquele estranho medo, quase pânico, de quem teme esquecer o rosto daqueles que se amou um dia e que já partiram.

E chorei porque, após algum esforço de memória, não conseguia recordar o rosto da minha avó. Chorei porque me senti incapaz de lhe lembrar as feições. Porém, é impossível esquecer as mãos curtidas de anos de trabalho que me aconchegavam naquelas noite frias que só se sentem nas aldeias. E as ternura dessas mesmas mãos que tanto me alimentara, cuidaram, embalaram, curaram.

E sentir o corpo encolher, frustrado perante essa impotência de recordar um rosto que olhei todos os dias da minha vida, desde que nasci. Sensação essa que é ainda mais castrante quando a maior parte do que tenho e sei sobre a minha família, só o posso encontrar em fotos, em memórias, em pedras tumulares. Pergunto-me por isso como é possível não lembrar o rosto da avó que amei, como posso cometer tal heseria sem ser punida por algum desígnio superior.

Dói não lembrar. Tudo é estranho, quando muito do que resta da família é-nos dado por alguns momentos de solidão. Num qualquer banco, numa praia qualquer.

11 comentários:

Maria del Sol disse...

Se essas lágrimas sairam, se esse medo existe, é porque a lembrança nunca há-de desaparecer. O Amor é assim.

Beijinhos!

Ema disse...

eu sei que dói, também já me esqueci de muita coisa que nunca poderia ter sido esquecida. e hei-de esquecer muito mais. mas depois penso: mesmo que o meu cérebro não consiga dar-me uma imagem, um cheiro, um toque, se me faz recordar que não me lembro ainda existe uma réstia de lembrança. e a devida homenagem a tudo o que se tornou irrepetível também.

Jaime disse...

Lembras-te muito e bem, parece-me... Sentimentos de culpa é que me parecem desnecessários. Já chega o resto.
Quando vir uma rapariga a chorar nos transportes públicos pergunto-lhe se tem um nick no blogger esquisito e impronunciável, com números e letras misturados, para ver se a distraio.

pegueitrinquei disse...

Às vezes emocionam-me mais os vossos comentários do que os motivos que me levam a escrever os relatos.

Obrigada!!!!

Ema disse...

também me emociono mais com os meus comentários. acho que vou deixar de ter um blog e comento só os vossos.

Francisco disse...

:')

Rosa dos Ventos disse...

Será que vou viver tanto tempo a ponto de me esquecer do rosto do meu filho que partiu há três anos?
Ou pior, de me esquecer que ele partiu?
A avó dele nem sabe que ele partiu...

Abraço solidário

Rosa dos Ventos disse...

Será que vou viver tanto tempo a ponto de me esquecer do rosto do meu filho que partiu há três anos?
Ou pior, de me esquecer que ele partiu?
A avó dele nem sabe que ele partiu...

Abraço solidário

pin gente disse...

desculpa entrar "sem convite"... vim do hotel, depois de ler as tuas palavras.

tu lembras!
podes não ter lembrado o rosto... lembraste as mãos... o carinho...
por certo o rosto virá!

um abraço
luísa

Menphis disse...

Já não tenho avós e não sabes o quanto fiquei emocionado com o teu post. Por vezes, também tenho esse medo, o medo de não recordar o rosto da minha avó que me criou, que me ensinou o que era a vida. E também os meus avós paternos, o meu avô que tantos provérbios e tantas brincadeiras me ensinou, brincadeiras essas que me ficou na memória e quero transmitir aos meus herdeiros, se os tiver :) e também a minha avó materna que tanto só descansou quando eu assinei o contrato para ficar no meu trabalho e depois faleceu pouco depois.

Ji disse...

Há um mimo, lá na tasca da menina!
Vai lá buscá-lo!

Beijo Beijo