27/01/2010

Retratos antigos (revisited)


Acabo por beber as cervejas sempre sozinha. Compro-as ali no mini-mercado, aquele logo no início da rua. Tu é nunca achaste muita piada à bebida. Pouco importa, o sítio vale por si e pela companhia que se traz.


Sempre gostei dos finais de tarde do Adamastor. Gosto do sabor a liberdade que por lá se sente, gosto da mistura de freaks despreocupados com os pseudo-yuppies que por lá se passeiam volta e meia. E gosto de te trazer comigo, mesmo que não gostes de beber cervejas.


Lembro-me perfeitamente de uma fotografia lá tirada pela velha máquina dos adesivos e dos parafusos. Lembro-me bem da maquilhagem que usava nesse dia, e do vestido, um vermelho de que parecias gostar. Os brincos, eram aqueles vintage de mola, nos quais toda a gente repara sempre, aqueles que perdi na última festa a que fomos. Do retrato, pouco ou nada lembro, até porque estava mais ocupada em fotografar-te na minha cabeça. As tuas mãos pequenas, os dedos semi-curvados, como sempre fazes quando pegas nalguma coisa. O ar sisudo que sempre envergas quando procuras cristalizar qualquer imagem. O sorriso no final, quando é conseguida a tal que queres recordada. Não me lembro do meu retrato pois estava demasiada ocupada nestas lides, catalogando cada momento que não quero ver esquecido.


Pouco já me importa o retrato. Preocupa-me antes esta galeria de imagens que desabou na minha cabeça e que não consegui ainda pôr em ordem. Umas quero guardar, outras nem tanto.


Uma coisa é certa. Estás em todas elas.


Dá-me tanto trabalho arrumar-te!...
Mas você quer fazer carreira na Banca ou não? Huuum... Não pode haver grande margem para muita meditação. Aqui é assim, ou se quer ou não se quer. Aqui, impera a imagem corporativa, o lógica do objectivo, a óptica do lucro. E a malfadada pergunta insurge-se sempre que a menina H4rdDrunk3r dá uma ou outra resposta menos agradáveis, menos ao gosto dos 10 (DEZ) chefes que tenho para assistir. Sim, porque se há coisa que sou desde que lembro de mim como pessoa, é respondona. E aqui aprendi que isso nem sempre joga a meu favor. Mas não foi com o propósito da auto-análise crítica que aqui vim - isso fá-lo-ei logo à tarde, com a minha mais recentemente contratada therapist (soa bem, não soa?).



Adiante.




Mas você quer fazer carreira na Banca ou não?
é a frase que todos os meus 10 (sim, DEZ) chefes usam sempre que precisam de me pôr na linha, de me lembrar que amigos, amigos, negócios à parte, de me darem um chega para lá que não me deixa escapatórias possíveis. E para alguém que queira no mínimo preservar o seu emprego - como é o meu caso - e ao mesmo ir caindo nas boas graças dos seus senhores feudais, , a resposta tem que ser imediata, seca, impensada. Alto e bom som, SIM, QUERO!!, quase como num bater de continência, mas em modo civil e adaptado à realidade bancária.




A questão que se põe é... E será que quero assim tanto essa carreira? Nem tanto pela área em si - já nem vou falar nisso, que me deixa deprimida - mas sim pelo peso que a palavra carreira carrega consigo. Afinal, quero a carreira porque esta me deixe feliz.. ou apenas para mostrá-la aos outros? Do que vejo à minha volta todos os dias, a carreira é hoje, mais do que nunca, algo que podemos esfregar na cara dos outros.



Olha as fotos da viagem às Maldivas que fiz com o bónus ganho no ano passado.



Olha a almoçarada que me pagaram pelos resultados de ontem.



Olha o meu CLK acabado de chegar, oferecido pela empresa!




Fuck that! Odeio estas manifestações de opulência completamente gratuitas e perfeitamente egocentristas. Não me passa pela cabeça correr atrás de uma carreira para a gritar aos sete vezes, alarde do alto da minha vaidade. Não é isso que me faz feliz.


Se puder todos os dias fazer o meu trabalho um bocadinho melhor e ser reconhecida por isso, porque raio hei-de viver obcecada com a $#"/&%)*"# da carreira que todos me tentam impingir?

21/01/2010

HOPE


Lisboa. Lisboa está repleta de caminhos, ruelas, avenidas que fiz. Fi-las a todas com um propósito especial. Hoje olho-as perguntando-me quando as voltarei a percorrer. SE as voltarei a percorrer. Com o mesmo propósito, a mesma rota, o mesmo destino. E os objectos. Os objectos decompõem-se ante esta arte de os olhar. Desnudam-se, reveladores de segredos, de segundos de vida que lhes deixei. Revejo-os e revejo-me. E não passam de objectos. Peças que ficarão quando nada mais restar para lembrar. Vazios de qualquer significado quando morrermos, e mais ninguém neles lembrar coisa alguma.

Não quero mais desse teu fumo. Não quero névoas, quero um noite clara que me leve a casa em paz e me aconchegue e me ofereça um sono do qual não sei se quero acordar. Afinal, lá fora oferecem-se as ruas que lembro e que não sei quando voltarei a percorrer. SE as voltarei a percorrer. A linha entre a realidade e o mistério é tão ténue, tão frágil a um simples um olhar! Um olhar assim despe, cruza um mundo inteiro só de se sentir recordado.

Fecho-me num abraço e deixo por fim de resistir. Fecho os olhos numa doçura infinita que desceu sobre mim, e que me convida a esquecer. A sentir de peito aberto cada bater de coração que me empurra de volta à vida. E como sabe bem sentir-me viver. Como é bom liquidificar a alma e deixá-la fluir solta, feliz, destemida!

Não quero abraçar, não quero fechar os olhos! Não, ainda não! Quero agarrar este mundo inteiro só mais uma vez, e fazê-lo meu, fazê-lo teu, fazê-lo obscenamente nosso. Porque não há vergonha alguma em ser-se mais, em querer-se mais, em dar-se mais!

(...) Suspiro (...)

Afinal estou cansada e não passo de uma pequena criança embrulhada nas mãos do mundo. Encolho-me tímida e não resisto vais, desvaneço e fecho os olhos. Voo para longe. E sou feliz.


18/01/2010

Strange Fruit

Tive sempre alguma dificuldade em compreender a verdadeira essência do Miguel. Dele, lembro as tardes inteiras de Domingo em que o único som entre nós se resumia à voz dela. Billie Holiday, a única cantora que amou como eu nunca vi alguém amar um músico. Um certo cheiro no ar denunciava-lhe o cultivo do lado de fora da casa. Além de ouvir Billie Holiday dia e noite, a sua outra exclusiva ocupação eram as plantas espalhadas pela marquise. Ordeiras, ao contrário da sua vida.

Distinto nos gestos, subtil nos gostos, único na inércia, o seu maior defeito. Esse e o de não beijar mulher alguma. Mal pude crer quando me contou. Mas entre um bafo e outro, confessou-me ser a única coisa que nele atraía as mulheres. Pois, isso e esse malvado palmo de cara que te calhou em sorte, pensei. Damn!

Do mesmo modo que entrou na minha vida, assim saiu. De fininho, pontas do pés, sem alaridos. Só no mundo, perdi-lhe o rasto. Imagino-o embarcado algures no Pacífico, fiel às teorias que ele próprio nunca cumpriu.


15/01/2010

hit the wall and (not) back again

Abomino o sentimentalismo, mas não vivo sem sentimentos. Não me sinto de pés no chão, como numa vertigem nocturna, daquelas que antecedem o sono profundo. Todos queremos ser amados, todos precisamos de um abraço em dada altura, uma mão que toca a nossa, uma música que nos faça desejar estar com aquele alguém.

Não gosto de sentimentos que batam em paredes. Desprezo esse síndrome crash test dummie, em que implodindo me desfaço contra os tijolos, ali alinhados. Preciso de extravasar(-me), e no entanto inundo-me do que sinto, correndo sérios riscos de me afogar, de não me conseguir segurar à superfície.

(to be continued)

05/01/2010



SE tivermos tido sorte, todos teremos tido pelo menos uma altura na vida em que tivemos tudo. Porque vivemos naquela casa maravilhosa, porque os amigos nos fizeram sentir no topo do mundo, porque o nosso trabalho nos preenchia mais do que tudo, porque fomos amados por alguém excepcional, porque a nossa família, de tão perfeita, parecia saída de um filme. Momentos em que podemos compilar a nossa vida como se de uma fábula se tratasse, uma lengalenga infantil, uma música daquelas em que se sente tudo cá dentro.

Será talvez nesses momentos que a palavra felicidade encaixa, faz sentido. Contudo (e infelizmente) esse discernimento costuma vir mais tarde. Tarde demais. Quando damos por falta de algo que deixou de lá estar, que deixou de completar o quadro perfeito que dávamos por certo. Possivelmente porque estávamos demasiado entretidos a encher-nos de nós mesmos, a sugar desenfreadamente a energia à nossa volta, sem verdadeiramente a saborear. E de repente damos por nós a lembrar com uma nostalgia agridoce esta ou aquela pessoa, um momento ou outro mais marcante, um sorriso que ficou cá dentro.
Esbofeteados por estas desatenções, acordamos e passamos a apreciar melhor os tesouros que vamos encontrando ao longo a vida. Porque apesar de ninguém ser insubstituível, todas as pessoas são únicas, e se nos marcaram, será porque de alguma maneira as amámos e recebemos esse amor de volta.

Hoje senti uma vontade imensa de abraçar a memória de todos aqueles que conheci, que amei, com quem ri e com quem chorei. Fica só um post, em jeito de abraço.




Sim, sei, isto foi demasiado Laurinda Alves. Couldn't help it.