25/10/2010

Listen First



Num suspiro inaudível, a terra inteira se curva à tua passagem. Os céus abrem-se num pranto infinito e soçobram num soluço eterno. O teu olhar não mais tocará as planícies desta terra, nem sentirás mais nas costas a passagem de um anjo. O anjo és tu, que me tocas o rosto a cada noite que adormeço. Não mais restará esta areia pegada que denuncie a tua passagem. Ficam areias de outros tempos, de tempos mais felizes em que caminhámos lado a lado, sem pensar que amanhã não seria já assim. Deixas-te um vazio imenso à tua passagem. Um buraco negro que num movimento centrípeto me suga todas as forças, me impregna de medos. Não mais te tenho para me abraçar sem condição, para me lembrar que vale a pena um sorriso, para me aconchegar numa noite fria de inverno que não acaba mais. Noite fria de inverno são todas as noites desde que te foste, e me deixaste neste deserto sem fim, neste mundo árido e cinzento onde não há mais vida. Dentro de mim, sempre e só um eco vazio da tua ausência. Uma certeza do que um dia nos aproximará. Uma morte doce e consumada, para trazer para dentro de nós o que mais importa. O amor incondicional de ser tua, antes, agora e sempre.

Abraça-me só mais uma vez, antes do impiedoso adeus. Antes de não restar mais calor que indicie a vida em ti de outros tempos. Suspira e deixa-te ir. Eu hei-de encontrar-te, sempre!



21/10/2010




Mas sabes bem que podia armar-me no romântico que não sou e dizer-te que és linda e inteligente e divertida e … todas as outras coisas que realmente és. Mas quantos gajos antes de mim já to disseram? E de vos serviu?

A bem dizer da verdade, de pouco. Nada mesmo. Gosto pouco dessas bajulices interesseiras. Gosto de gajos brutos, que me arrastem pelos cabelos, que me tomem no chão e me lembrem da brutalidade que é sermos humanos.

Como eu te percebo. É dessa animalidade que falo, um querer desmedido em estar em ti que não controlo. É por isso que te quero por perto. Porque me despojas de presunções, porque me tiras o chão debaixo dos pés, porque me acordas um sentimento violento de te querer como nunca antes vivenciei.

E achas mesmo que acredito nessas merdas que me dizes? Estás mesmo que dizeres isso com um cigarro na boca faz de ti um gajo sexy? Achas mesmo que me vais levar para a cama com essas filosofias de bolso? Limita-te por favor a ignorar a minha pela despida. Dispo-me porque sou da terra, porque gosto de sentir o arrepio em cada centímetro de pele, porque só despida me sinto inteira.

Sabes bem que te quero levar para a cama, não posso negá-lo. E nunca me julguei capaz de o fazer só pela minha escassa oratória, ou porque me ache um gajo sexy, como dizias. Mas animais que somos, sei que neste momento me queres tanto ou ainda mais do que eu te quero a ti. O teu cheiro diz-me isso, a tua pélvis irrequieta implora-o, e esse teu peito gritantemente insinuado… vais desmenti-lo?

Sou apenas um animal, se for para a cama contigo sabes bem quais os meus motivos. Não penses com isso que me tens para sempre, que a mim ninguém me tem.

E quanto mais repetes isso mais me atrais e me repeles. Sabes bem que te quero por inteiro. Não quero dispor do teu corpo porque ele me desnorteie, ou porque o teu intelecto me desequilibre. Quero-te porque me trazes de volta ao que é essencial, porque me desarmas a cada olhar, a cada gesto que articulas, a cada palavra que proferes. Porque me sinto profano cada vez que olho para o teu corpo despido, que tenho por sagrado na nudez que ostenta.

Que exagero, o meu corpo não é nenhum templo. Não acredito em divindades.

Que tonta que és, completamente alheia à tua majestosidade. Ignoras a energia esmagadora que imprimes à tua passagem. Não quero ser só mais um cabrão que te teve por uma noite. Não quero beber de ti sem nada dar em troca.

Não sejas idiota. Despe-te e faz o que tens a fazer.

12/10/2010

Conversa


Como é que descreveria a sensação de estar a sós comigo mesma, foi isso que perguntou? Sim, era essa a pergunta. Desculpe, é a idade que já não me deixa ouvir como dantes. Olhe, para mim é algo muito parecido a caminhar nua e descalça numa floresta. A cada passo percorrido, o meu corpo recolhe-se numa tentativa vã de se proteger das dores infligidas aos pés pelos ramos partidos, pelas folhas secas, pelos pequenos animais rastejantes. Mas não me interprete mal, este é o MEU interior. É espinhoso, árido, seco, repleto de trilhos dolorosos que nunca deviam ter sido percorridos. Mas quero acreditar que outros existirão, menos encardidos, mais luminosos. Apercebi-me desta floresta espinhosa já demasiado tarde. Toda a minha vida, depositei o meu equilíbrio nos outros, nos outros me apoiei, e neles encontrei as forças que perdera em mim desde cedo. Não podia ter feito pior escolha. O meu ponto de equilíbrio, devia tê-lo trabalhado desde dentro. Devia tê-lo centrado em mim. Nunca em pessoas e situações sobre as quais nunca tive qualquer controle. A ilusão, enquanto existia, era perfeita. Era como um dia cheio de luz que nunca terminava, daqueles em que temos que erguer o braço e proteger os olhos de tanta claridade! Só me apercebia do quão nocivo esse comportamento era sempre que havia uma ruptura. Separações, perdas, derrotas e contrariedades. Toda e cada uma delas me puseram de frente aos meus maiores fantasmas, a todas as fragilidades que tinha e tenho dentro. Em cada uma dessas alturas, percebia a solidão imensa que era viver comigo mesma. Uma imensa paisagem lunar, sem sombra de luz que nela se projectasse, sem réstia de vida que alimentasse alguma esperança que fosse. Num desses períodos, um colega seu perguntou-me se era feliz e como é que essa felicidade me fazia sentir. Não precisei pensar muito. A felicidade para mim era o oposto da floresta que lhe descrevi antes. Felicidade para mim era uma sensação nítida de caminhar descalça numa praia imensa e deserta, num dia ameno e solarengo, propício ao descanso da alma. De enterrar os pés da areia e senti-la macia, e gostar de a sentir assim. E deitar-me na areia e ficar a ver as nuvens no seu movimento incessante que torna impossível desviar o olhar. Não poucas vezes me senti assim. Mas hoje olho para trás e sei que todos esses momentos foram a ilusão que a mim própria induzia. Porque mais ainda foram as vezes em que dei por mim descalça na floresta, à procura de um abrigo que não existia. Permite-me a distância dos anos ter hoje esta clarividência. Duvido que na altura me tivesse servido de alguma coisa. A alternância praia-floresta-praia-floresta foi um jogo ao qual nunca deixei de comparecer. Um jogo ao qual me entreguei sem reservas e que joguei inconsequentemente. E que apesar dos avisos, continuei a jogar. Colegas meus sem formação palpável diziam em anos idos terem frequentado a escola da vida. Eu? Fiz escola na dor, e dela bebi sem contemplações nem segundas hipóteses. Da carreira preenchida que tive, nada levo senão a mágoa imensa de continuar a sós comigo mesma. Até ao último suspiro que me leve deste calvário para uma praia onde hei-de ficar para sempre sob um sol imenso.

03/09/2010




Esses olhos que ostentas nunca outra coisa foram senão baços e macilentos. Não há neles meias verdades nem réstia de vida. Vazios, ocres, sem passado nem futuro, sem hoje nem ontem, nem um lugar para onde ir.

Só uma total ausência de sentimentos envolve essa tua maneira de pousar o olhar sobre as coisas, de as acariciar nesse jeito inerte e irrepetível, tão teu.

Diziam-te ser simples, aceitar de braços abertos a vida a mãos cheias. Loucos, soubeste-o desde o início.

E nunca o teu olhar foi igual ao das outras pessoas.

22/08/2010



Do lado de lá da janela, as primeiras gotas de chuva da estação anunciavam um Outono que prometia dias memoráveis. Os vidros embaciaram com o vapor do café e dentro da casa ficou só o intermitente da chuva no jardim. Pôs o seu melhor vestido hippie, sentou-se no chão de pernas cruzadas e apoiou os cotovelos na mesa amarela que a avó lhe tinha dado. Sabia-lhe bem o sol do Verão, mas do que gostava mesmo era de Outono, de folhas secas e de chuvas, de mantas e bebidas quentes. Inalou a plenos pulmões o vapor quente do café, antes de acender a doce mistura que tinha entre mãos.

Um primeiro bafo.

Depois outro…

Outros se seguiram…

Dentro em pouco, a realidade ou o que dela restasse pouco importariam. Porque o mundo seria feito de gotas de chuva, vestidos hippie, chávenas de café, mesas amarelas. Nunca a solidão lhe houvera sabido tão bem. Cansara-se de não saber escolher pessoas. SIM, porque as pessoas precisam de ser escolhidas. Sabia que era assim que tinha que ser feito, sabia-o desde sempre, desde que aprendeu a distinguir a mãe dos outros só pelo cheiro. Sabia que o fazia descaradamente em criança, quando terminantemente se recusava a dirigir o olhar a alguém, quanto mais dignar-se a cumprimentar esse alguém no rosto. Selectiva desde sempre. Aparentemente, não lhe valera de muito. Nunca apreciou a solidão nem nunca soubera estar sozinha. Contudo, de há algum tempo a esta parte, dava consigo satisfeita nestes momentos de isolamento, onde só a ela própria se ouvia, ignorando um mundo inteiro a acontecer do lado de lá da janela.

Pouco importava.

02/07/2010


Não raras vezes (diria mesmo todos os dias) dou por mim especada a olhar o calendário, dia após dia, à procura de algo que distinga uns dias dos outros. Um aniversário, um jantar, um evento, uma festa. Algo que me faça sentir que esse dia valeu a pena, que não foi só mais um em que me levantei para trabalhar, voltei para casa, lavei a roupa, fiz o jantar, e deitei-me sem mais delongas. Ou talvez procure apenas um motivo para me esquecer de mim e dessa imenso elefante plantado no meio da sala a que chamamos solidão. Percebi a importância que dou ao calendário hoje cedo, foi a primeira coisa que fiz quando cheguei ao meu novo local de trabalho. Mudaram-me de sítio mais uma vez, e a única coisa que deixei para trás foi o bendito calendário. O que de imediato resolvi, já que pedi que mo enviassem.

Não sei o que pensar do facto de procurar significados para a minha própria vida num conjunto de folhas de cartão cuja única função implacável é enumerar os dias, lembrar-nos da placidez ignóbil com que vão pensando. Olhar para os dias nele impressos faz-me lembrar da família que já não tenho. Dos inúmeros feriados por preencher, os Domingos, os Natais e as Páscoas. São vazios avassaladores e que doem se pensar muito neles. O que resta então no calendário? Os aniversários dos outros, daqueles de quem gosto, e que me fazem lembrar que afinal talvez não esteja sozinha. Ou talvez esteja, e o calendário não faça senão mascarar essa realidade.

Esta manhã, momentos antes de perceber a ausência do calendário, bebia na minha cozinha um café horrível que fiz na ilusão de o conseguir beber. Lembrei-me do café como nunca mais encontrei igual que a avó me fazia e me levava à cama nas férias, embebido em pão velho, tão bom! A avó era muito querida, e sei agora que nunca a abracei tanto quanto gostaria. Não tenho sequer a certeza de alguma vez lhe ter dito o quanto gostava dela. Hoje sinto-lhe a falta, e do avô, e da mãe, e dos Domingos em que almoçávamos todos juntos. Era chato ter que sair da cama a ensaiar uma ressaca que ia durar o resto do dia, e encarar a família. Hoje já nada disso existe. Resta apenas uma casa vazia, e eu dentro dela, a enfrentar o vazio que tenho dentro.

17/06/2010


No cinema francês, consegue-se sempre perceber quando é que vai acontecer o beijo entre os protagonistas. Seguem-se as juras de amor eterno e o não sei viver sem ti do costume. Já na vida real, upa upa…

Hoje olho para a década de ’90 e veja nela um cemitério por excelência do romantismo. Veja-se este casal cuja conversa não pude evitar ouvir um destes dias. Sentados na mesa ao lado da minha, ela olhava-o com a intensidade de quem está perdido de amores, enquanto nervosa ora passava os dedos pelo cabelo, ora tamborilava os dedos desatinados na mesa gasta. Falava-lhe das suas angústias, do medo que tinha pela frieza que os caracterizava aos dois, e de como temia que isso condenasse a relação a um fim sem volta. Estava claramente apaixonada por ele, via-se em cada expressão sua. Já ele, de olhos perdidos num vazio que ela não sabia explicar, pouca atenção lhe prestava. Limitou-se a atirar-lhe um árido “pois, bem sei que não sou fácil, mas eu também não obrigo ninguém a estar comigo, que eu cá nessas coisas sou muito independente”. Um silêncio sepulcral caiu sobre a esplanada, e juro ter chegado a ouvir os movimentos da garganta dela, enquanto engolia em seco.

O romance como o conhecemos dos livros do Eça, do cinema francês, e dos filmes baratos de Domingo à tarde da TVI parece estar condenado ao esquecimento. Pelo menos assim será, enquanto as pessoas continuarem a alardear a sua independência em detrimento daquilo que têm dentro. Parece que hoje em dia se granjeia mais facilmente o respeito alheio se formos pessoas independentes emocionalmente, se o ar que respiramos não depender mais da pessoa amada, como nos romances de faca e alguidar. Não digo que não seja bom sermos independentes emocionalmente. Afinal, não devemos depender mais de outrem do que de nós próprios no que toca a sermos felizes. Mas não pude deixar de temer, ante a conversa do dito casal, que o futuro das relações seja esse. Que o romantismo desapareça irremediavelmente.

A não ser, claro, que se continuem a ver os filmes de Domingo à tarde da TVI.

10/05/2010

Meu (querido) mês de Agosto


Agosto foi sempre um mês de contradições. Os primeiros dias traziam sempre o cheiro inolvidável dos eucaliptos arrancados da terra e que iriam dar a cor à festa em honra da Nossa Senhora. Horas infinitas de correria rua acima rua abaixo, jogar às escondidas, a inevitável procissão, a eterna tristeza por nunca ser escolhida para interpretar um anjinho ou um dos pastorinhos. A Lúcia era a que eu queria mais ser. Nunca consegui nem uma coisa nem outra. Nem ser anjo, nem projecto de santa. Talvez aí resida a origem deste meu mau estar crescente relativamente a tudo o que diz respeito à Igreja, vá-se lá saber.


Meados de Agosto, o calor apertava e outro odor irreproduzível se fazia anunciar. A terra remexida pelas máquinas, a vegetação devastada ordeiramente, as mãos metidas ao chão. Era o tempo de se colherem as batatas, sementes jogadas à terra meses antes. Temperaturas infernais, uma vista torturante para o topo da aldeia, onde imaginava os meus amigos a jogarem às escondidas e à apanhada no que sobrava do arraial da festa. E eu ali, de rabo para o ar, amaldiçoando a cada gota de suor esse maldito fado que era ter que ir para o campo todos os anos.


Nunca cheguei a perceber se era mais forte o meu amor pelo arraial ou o meu desprezo pela lavoura à qual nunca consegui fugir.

29/04/2010

Velho do Restelo de trazer por casa...


Antigamente, o início de uma relação tinha a piada de ser alimentado por trocas infinitas de cartas que fariam corar Romeu e Julieta. Hoje em dia, basta actualizar o estado no Facebook para que num milésimo de segundo todo o nosso universo de amigos (e não só) fique a par das nossas aventuras e desventuras amorosas. Perde-se o encanto epistolar de outros tempos, enquanto se alarde ao mundo inteiro a nossa privacidade. A intensidade da relação (ou falta dela), essa passa a ser calculada na medida de horas que se passa em chats com o/a mais que tudo.



Marcar uma posição passava não raras vezes pela redacção de um post ou crónica inflamados, assaz capazes de desarmar os mais cépticos. Hoje a coisa é mais simples. Adere-se a um grupo no Facebook que expresse esta ou aquela vontade, e todos ficam a saber in loco as ideias que defendemos e em que acreditamos.



Ainda me lembro de a cada aniversário, correr à clássica Papelaria ABC, um ex-libris lá da terra, a comprar os convites para a minha festa, que entregaria a cada um dos amigos mais especiais. Mas só mesmo aos mais especiais, que os convites ainda eram caros para o parco orçamento de que me fazia acompanhar. Hoje em dia? Fácil! Cria-se um evento, convida-se massivamente toda a rede que compõe as nossas amizades, e será uma sorte se a adesão chegar aos 50%!



Não se pense com isto que desprezo o Facebook. Mea culpa pública, porque... I love that shit!



Mas ainda assim... Sinto falta da emoção que sentia sempre que escrevia uma carta de amor, da ansiedade pela missiva aguardada, ou da alegria infantil em ir comprar os benditos convites para as minhas festas de anos.
Sou saudosista sim senhor, ou nao fosse eu portuguesa dos pés à cabeça.

19/04/2010

Há uma voz que cala todas as outras. Uma voz que me deixa em silêncio e aconchegada no branco e nos azuis. Uma voz que ora baixinho, ora gritante, ecoa dentro de mim, tocando cada espaço do meu corpo, fazendo tinir todos os vazios. Uma voz de todas as cores, que me faz querer correr o mundo sem nunca sair do mesmo sítio.

Essa voz chama-se felicidade e sinto-a cada vez que te sinto. Dizem os poetas que se chama amor. Eu da poesia, nada sei.


amor (ô)
(latim amor, -oris)
s. m.
1. Sentimento que induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou atracção!atração; grande afeição ou afinidade forte por outra pessoa (ex.: amor filial, amor materno). = afecto!afetoódio, repulsa
2. Sentimento intenso de atracção!atração entre duas pessoas. = paixão
3. Ligação afectiva!afetiva com outrem, incluindo geralmente também uma ligação de cariz sexual (ex.: ela tem um novo amor; anda de amores com o colega). (Também usado no plural.) = caso, namoro, relacionamento, romance
4. Ser que é amado.
5. Disposição dos afectos!afetos para querer ou fazer o bem a algo ou alguém (ex.: amor à humanidade, amor aos animais).desprezo, indiferença
6. Entusiasmo ou grande interesse por algo (ex.: amor à natureza). = paixãoaversão, desinteresse, fobia, horror, ódio, repulsa
7. Coisa que é objecto!objeto desse entusiasmo ou interesse (ex.: os livros electrónicos!eletrónicos são o meu amor mais recente). = paixão





10/04/2010

Tirania interior




Enquanto ia vivendo as mais diversas situações traumáticas que marcaram o meu crescimento, desde a infância à idade adulta, um medo prevalecia dentro de mim. Tinha muito medo de não conseguir vir a ser uma pessoa "normal" quando fosse grande. Pensava que ia ter medo de estar sozinha, pensava que podia nunca vir a ter uma relação normal, pensava muito na fronteira entre mim e o outro e até onde ela poderia ser perturbada.


Poucas horas atrás, cai-me tudo em cima. No meio do zapping, a bomba explode-me nas mãos, estilhaços por todo o lado. Alguém na televisão relata a patologia clínica que marca os seus relacionamentos e que não a deixa viver com equilíbrio e em tranquilidade. A cada episódio relatado, a cada sentimento confessado, mais me assustava tal era a semelhança entre a minha vida e a daquela mulher. Deitei-me a pensar nisso e esta manhã lá consegui coragem para procurar algo mais sobre o assunto na internet. Mais uma vez, lá estava ela. A verdade nua e crua sobre toda a minha vida, relatada pelas mais variadas pessoas.


Não deixa de ser triste pensar que ao crescermos, os problemas são mais que muitos, e quando os pensamos definitivamente ultrapassados, esquecidos no passado, BUM! Eles estão e estiveram sempre lá dentro, como uma ferida aberta que teima em não cicatrizar, e vai apodrecendo os tecidos à sua volta.


Procurei ajuda antes ainda de saber dar um nome ao meu problema. Ontem finalmente soube do que padeço, soube dar um "rosto" ao monstro contra o qual venho a lutar. Deixa-me minimamente tranquila o reconhecimento que já fiz para mim mesma de que está na hora de mudar. Aos poucos, hei-de viver em paz comigo mesma. Assim espero.

04/04/2010

URBI ET ORBI


Pergunto-me se conhecerás já cada centímetro da minha pele. Julgo que não, muito há ainda a fazer. Não te preocupes, tenho um plano. Este noite encontrar-me-ás posta sobre uma tela virgem, o corpo inteiro contra o branco imáculo da tela ainda por profanar. Ao lado, estará uma paleta de cores, mas não encontrarás pincéis. Das tuas mãos sairá a pintura que te fará conhecer cada recanto de mim. O fim? Só estará próximo quando não restar superfície alguma por cobrir, quando toda a pele sufocar de tinta por todo o lado. Depois? Não te preocupes, deixar-te-ei serpentear o corpo contra o meu, e também tu ficarás coberto de cores, numa anarquia perfeita que nos fará ficar ainda mais juntos.

31/03/2010

Discos Pe(r)didos



E já temos em linha o próximo ouvinte nesta última tarde de Março, boa tarde!




Boas tardes! É, daqui é Belinha que fala, de Trambique.




Boa tarde Belinha, então e qual é a musiquinha que vai dedicar?




Olhe, eu queria ouvir O Filho do Recluso, do Júlio Miguel e da Lêninha, é.




E vai dedicar a quem, Belinha?




É, olhe, era pa d'dicar ao Marcelinho, à Pitó, à Tonicha e ao Tico Marceneiro...




Muito bem, Belinha, vamos enta...




'Pera, 'pera, falta a Deolinda do talho, é, a Auzenda e mais o marido, o Aurélio, a minha sobrinha Marina Sabrine que 'tá lá pa França, a minha cunhada q'eu não esqueço, olhe e pra maltinha toda lá da praça, é. Sim, é que eu tenho lá a banca da fruta e conheço-os a todos, é.




Pois bem Belinha, vai então para o ar O Filho do Rec...




Ai 'pere lá que me lembrei ainda do Maneta, lá do Bairro da Boavista, da Laurinda, q'é a melher dele, e prontos, e pra aldeia de Trambique em geral.




Sim senhores, sim senhores Belinha, vamos então para o ar com O Filho do Recluso, do Júlio Miguel e da Lêninha...






É, a memória a modos que é traiçoeira. Nada que uma viagem de táxi não contrarie. Pois que hoje me deixei conduzir por um velho taxista, diria jurássico mesmo, coisa de 3,5 km, 4 km no máximo. O suficiente para trazer ao de cima esta coisa que tinha recalcada nos ínfimos da minha memória: os discos pedidos. Essa pérola que acompanhou a minha infância algures ali entre os 5 e os 6 anos. Mas adorava ouvi-los, ouvir as músicas que eles pediam, a quem as dedicavam. Nessa altura, ficava bem pedir Celine Dion, Mariah Carey, Shania Twain. Eram as musas dos primórdios de '90, e toda a gente adorava dedicá-las ao marido, aos filhos, às colegas do trabalho, aos cunhados emigrados aqui e acolá. Como se houvesse a remota hipótese dessa cangalhada de gente estar agarrada ao rádio a ouvir a tão aguardada dedicatória. Sintoma da falta de internet, e para mim sinónimo das idas a casa entre o período da manhã e o da tarde, para almoçar com a avó. É, nunca mais me tinha lembrado dessa preciosidade. Até ter hoje sido transportada pela Companhia de Taxis "A Formiguinha", conduzida pelo senhor Saul Mendes. Assim se chamava o taxista.

British weather


Não gosto destes dias cinzentos. De fechar a porta e ter que esconder no chapéu de chuva. Os dias de sol mascaram melhor a realidade, dão uma falsa sensação de segurança em que o mundo é feito de flores e tudo vai ficar bem. Pantanosas convicções, que logo esmorecem ante uma nuvem mais carregada que tape o azul do céu. Com sol sou mais feliz, revejo-me nos tons quentes e sinto-me ter forças para reagir. O cinzento leva-me ao encontro da minha própria escuridão, à qual quero com todas as forças fugir. Como num qualquer jogo de computador, é como se o sol me desse créditos, forças extra para lutar contra tudo e contra todos, e em especial contra a escuridão que tenho dentro. O céu coberto? Apesar de mais escuro, esse deixa bem claro e a descoberto o pior de mim, o que não quero ser. Escondida sob o chapéu de chuva, não consigo mais simular a aparente tranquilidade, sinto-me demasiado exposta, não obstante a falsa protecção proporcionada pelo acessório.

Um destes dias, ainda fujo para Londres e enfrento-me de uma vez por todas. Lá está sempre cinzento. Talvez lá consiga ser feliz.

Um dia.

26/03/2010


Olá a todos!

Gostava de pedir o vosso contributo para o seguinte:

Votem LA RESINANCE para o SUPER BOCK SUPER ROCK!

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Basta registarem-se e votar :D link directo:

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Eles prometem fazer a festa no Meco!

Se quiserem saber mais sobre a banda visitem-nos em http://www.myspace.com/laresinance


OBRIGADA!

25/03/2010



Novas luzes se fazem sobre velhas realidades. Tudo se torna claro afinal. A busca de uma vida inteira. Sempre na senda de um porto de abrigo, de protecção incansável. O elemento masculino. Tudo faz sentido agora. O abandono constante tornou insaciável esta necessidade grotesta de protecção. Mas o contacto não pode ser demasiado. O meu espaço pessoal não pode ser violado. Quero ser só eu mas possuir o outro. Não quero estar só e no entanto não me quero invadida. Quero apenas quem não me quer. Quem me quer demasiado, rejeito. Imperfeita de origem.

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Reajo e recomeço. Vens?

ἐπιστολή




Ela já o tinha avisado antes. Ele não quis saber. Que parasse de olhar assim para ela, que se deixasse de surpresas, de jogos, de gestos, dessas coisinhas de quem ama e que ela menosprezava. Queria que ele percebesse de uma vez por todas que era uma mulher independente, que não queria nem precisava de homem algum ao seu lado que a fizesse sentir-me mais só por ter alguém ali. Já o tinha avisado que não queria amar ninguém, já não o sabia fazer desde a última vez que isso acontecera. Amara demais e fora amada de menos. A solidão a dois não voltaria pois a repetir-se, ela não deixaria que isso acontecesse. E por isso, não se deixou levar no amor insistente dele. Limitou-se a avisá-lo, vezes e vezes sem conta, na esperança de vencê-lo pelo cansaço. Mas nada parecia demovê-lo. Teimoso de um raio! Pára de criar expectativas, já te disse e repito que nunca, mas NUNCA mais hei-de deixar que a minha felicidade esteja nas mãos de alguém. Por isso, pega em ti e faz-te ao caminho, que daqui não levas nada. Pobre dele. Era vê-lo a arrastar-se pelos cantos, visivelmente derrotado durante semanas a fio, devastado por uma frieza nunca antes vista. Não imaginava que alguém se pudesse magoar ao ponto de se recusar a amar de novo. Durante semanas procurou convencer-se de que a esqueceria, de que o amor em si acabaria por morrer, sufocado no seu próprio exagero de existir. Engano puro. Nunca entregou a memória dela, enquanto viveu. Soube dela vários anos mais tarde. Soube-a entregue aos cuidados de terceiros, internada numa qualquer instituição para os que se perdem da realidade. Soube-a enlouquecida do amor que recusou, do amor que não quis abraçar. Os dias, dedicava-os a redigir cartas infinitas de amor. Cartas que se poderiam ter perdido na demência, mas que alguém achou por bem que se salvassem desse destino. Não se sabe ao certo quantas cartas terá escrito, nem tão pouco quem seria esse nome que repetia a um ponto quase insuportável, o que confirmava a sua demência, já há tanto diagnosticada. Sem se lembrar muito bem de como, ele identificou-se num dos primeiros textos que viu algures escritos. Alguém terá publicado as mais que muitas epístolas por ela redigidas. Por fim, ele soube. Que ela afinal também o amara.

E que desse amor que não quis dar nem receber, terá enlouquecido.

24/03/2010



É como ter uma música a tocar repetidamente dentro de nós. Uma música boa de mais, que nos arranca um sorriso doce, que nos faz ficar de olhos fechados a pensar em tudo e em nada. Uma música que faz querer agarrar o mundo todo de uma só vez, para logo a seguir o dar a outrem...

É como ver a última estrela que se deixa apagar enquanto o dia amanhece. O sono começa a pesar, o corpo entorpecido a deixar de responder e a pedir mais e mais um outro corpo que o aqueça.

E a música sempre em replay, repetindo infinitamente ondas de felicidade que parecem não ter fim...

Afinal, que mais é preciso para ser feliz, do que ter esse música boa cá dentro? :)

22/03/2010


Verbalizar sentimentos ou emoções não constituiu nunca problema algum. Fosse por escrito, dito nos olhos de alguém ou sussurrado baixinho ao ouvido. Talvez o arrebatamento próprio da idade, a inconsequência das paixões desenfreadas, as borboletas na barriga a não pararem quietas.



Mas hoje os sentimentos trazem marcas indeléveis de um passado que carregam, não fluem como antigamente, pedem cautela. Acautelada nas palavras, sinto-me implodir na euforia de que pereço, feita prisioneira nas palavras e nos seus incautos sentidos. Aos sentidos então me relego, enquanto saboreio, oiço, cheiro, sinto... E sinto-me viver, plena de candura, a cada toque a que me entrego, a cada beijo em que me perco, a cada centímetro de pele percorrido.




Tornam-se obsoletos os sentimentos, ante a majestosidade dos sentidos.



(suspiro)

18/03/2010

Putrefacção


Mais um dia de entranhas expostas. De revolver os horrores guardados fundo. Imagens hediondas, fétidas, a lembrar corpos velhos em decomposição. Não lhes posso com o cheiro. Dão-me naúseas, torna-se uma questão de sobrevivência esquecê-las.

A negligência e o abandono claros como água, como numa inédita lucidez de quem os vê pela primeira vez. Como se nunca tivesse vivido no meio deles. Afinal vivi, e não sabia. Ou não quis saber, já não sei.

Meto as mãos à cabeça e fico a pensar onde fui afinal buscar tantos sorrisos, onde fui sendo capaz de ser feliz, aqui e ali, pequenas injecções de felicidade. Indiferença propositada ou o teatro de uma vida inteira? Já não sei, já não distingo o que é certo do que é errado, o falso do verdadeiro.

Viver num circo de horrores tirou-me toda e qualquer certeza do que sou, a consciência do que é ser eu própria, viver dentro de mim, presa dentro de mim, twenty four/seven.

Mais uns meses, quem sabe, e talvez consiga deixar sair todos os monstros e encontrar lá dentro algo remotamente parecido com a imagem que tenho de mim própria. Conseguirei sobreviver-lhe(me)?

06/03/2010

III



Hoje foi o terceiro aniversario da morte dela. Longe de tudo e de todos, sinto o forte impulso de ouvir uma voz familiar que me traga algum conforto. Do outro lado, o total desconhecimento da impotância da data. Do lado de ca, uma certeza se levanta. A de que, por muito que tente fugir e me queira convencer de que pertenço a outro lado que não àquele onde me encontro, pertenço onde estão aqueles que me amam e me fazem sempre querer voltar a casa.

Hei-de sentir sempre a tua falta ;(

01/03/2010


A vida corre-nos por vezes tão bem que quase chegamos a achar que não nos deixaremos mais magoar, que podemos confiar naqueles de mais gostamos, naqueles que nos são mais próximos.


Não podíamos estar mais enganados.


As desilusões fazem e hão-de fazer sempre parte do nosso caminho. Após cada contrariedade, olhamos para dentro de nós e ficamos a pensar onde podíamos ter agido de maneira diferente, em que é que podíamos ter sido melhores. Quer encontremos ou não resposta para isso, o que é certo é que as desilusões têm todas um sabor amargo.



Que todos preferiríamos nunca ter provado.

18/02/2010

Como despachar um gajo em menos de nada





Não podia ser mais fácil. Requer alguma dedicação, é certo, mas tudo se resume a pequenas coisas que nós, gajas, adoramos fazer. Vibramos só de pensar nelas. Cá vai.




1. Tentar levá-lo a almoços, jantares, lanches, casamentos, baptizados, funerais... de família. Tudo o que envolva um contacto mais directo com os nossos progenitores, tios e tias que nem nós próprias gostamos de ver uma vez por ano que seja, e primos que nunca mais acabam, é meio caminho andado para pôr um ponto final no romance.




2. Olhar para bebés com ar enternecido, apertar-lhes as bochechas, ficar especada em frente a montras cheias de biberons e baby-grows. Só a mera sombra da paternidade a pairar-lhes na imaginação é o suficiente para darem corda aos sapatos mais rápido que o Obikwelu a fazer a maratona.




3. Fins-de-semana a quatro, double dates, e tudo o que possa envolver dois ou mais casais. Soa demasiado a aliança no dedo. Querem despachá-lo? Vão por mim, marquem o bendito fim-de-semana na Serra da Estrela e dou-vos uma semana no máximo para estarem a receber o fatídico e-mail do adeus.




4. Falar-lhe da casa dos nossos sonhos. Sim, aquele loft com uma parede toda em vidro e vista de mar. Imaginar-se lá dentro connosco 10 kilos mais gordas e os miúdos a correrem pela casa pode ter um efeito psicológico devastador para o comum dos homens.




5. Falar-lhe de sentimentos a toda a hora, e mandar-lhe sms's de bom dia, boa tarde, boa noite, dorme bem amor. Ele vai borrar-se de medinho ante estas investidas mais incautas.




6. Fazer dos primeiros encontros verdadeiras sessões de terapia. Nestes momentos, ele está mais preocupado em saber se vamos ceder aos seus avanços ou não. Pouco lhe importa se nos morreu o cão, se temos a avó no hospital ou uma unha encravada. Começar a chorar no meio do bar entre uma imperial e um tremoço? Remédio santo.




7. O facto de ele nos abrir a porta do carro para entrarmos, nos pagar uma refeição ou nos ligar para saber se estamos bem NÃO É SINÓNIMO DE RELAÇÃO. Se rolou alguma coisa, o mínimo que pode acontecer é ele ser simpático connosco. Comecem a agir como se isso fosse uma declaração de amor e acabam bem rápido sozinhas na sessão da meia-noite do Valentine's Day ali no Alvaláxia.




8. Se estão mesmo apostadas em despachá-lo, apareçam-lhe à porta de casa sem avisar, com uma surpresa qualquer. Deixem uma ou outra muda de roupa no armário dele. E claro, a inevitável escova de dentes no WC. A este ponto da narrativa, já não preciso de vos dizer o que vai acontecer, pois não...?




9. Encher-lhe o perfil do Facebook de coraçõezinhos e declarações completamente pegajosas. Ele vai adorar ter mais esse trunfo para usar contra vocês, e mais uma vez, puff, vão acabar sozinhas.




10. Acho que estou apaixonada por ti. A cereja no topo do bolo. É preciso dizer mais alguma coisa...?




12/02/2010


O papel e o tabaco já quase queimados na totalidade, o filtro a aproximar-se vertiginosamente. Resta-lhe pouco tempo para a decisão final. Dar ou não aquele último bafo que sempre lhe fica a faltar, já mesmo em cima do filtro.

Tal como em tudo na vida. Dar ou não o salto.

06/02/2010






O amor.



Porque no fim de contas, tudo se resume ao amor. Ao que temos. Ao que nunca tivémos. Ao que desperdiçámos. Ao que perdemos. Ao que não temos a quem dar, ao que nunca recebemos. Do amor e da sua existência ou ausência se rege a nossa vida. Poderemos algum dia ser felizes se não formos amados? Não. E na mesma medida em que o amor em excesso nos pode asfixiar, também a sua falta pode ser sufocante. De uma forma fatal.



Pudesse eu viver sem amor, e a meus pés teria o mundo estirado, pronto a ser consumido no seu estado mais bruto. Mas não posso, não posso viver sem amor. E admitir esse tremendo defeito de fabrico que acompanha o homem desde o seu primeiro segundo de vida, é já um primeiro passo rumo à liberdade. Reconhecer para mim mesma esta insaciável necessidade de amor é como expulsar de dentro um dos muitos demónios. Olhar-me no espelho e perguntar-me se alguma vez fui verdadeiramente amada. Ou se serei apenas demasiado exigente...



Preciso de expurgar esta minha dependência doentia, que me tem amarrada como alguém em estado terminal preso a uma cama de hospital. Malditos pensamentos, malditos sentimentos, maldita consciência. Fora eu cronicamente acéfala, e dificilmente me consumiria nestes devaneios existencialistas.

04/02/2010

ULTIMATUM






A fortaleza começou a desabar.



As fraquezas a vir ao de cima.



Anos e anos a fio a camuflar nefastas negligências, a ocultar sentimentos de raiva e de ódio. Ei-los todos a desafiarem-me em catadupa, eis-me em rota de colisão directa com eles. E agora não há volta a dar.



A farsa da tranquilidade deixou de funcionar. O peso de anos de solidão tornou-se demasiado nítido, mais do que eu posso suportar.



Agora? Fazer das tripas coração e decepar este nó na garganta que por tempo demais me segurou as palavras, os gritos, a raiva.



O objectivo? Encontrar a autonomia que me fiz crer que tinha e que afinal nunca esteve verdadeiramente dentro de mim. É uma luta a sós. Uma luta contra os monstros do passado. Deixar de os contornar para os destruir. Um após o outro. E vai doer como talvez nunca tenha doído antes. Mágoas que escondi e que chegam agora fora de horas, prontas para DOER ainda mais.



Talvez saia mais forte deste exorcismo tardio. No pior dos cenários, mais fraca do que quero sequer imaginar. Vai haver muito sangue, e não sei se vou sair inteira desta guerra. Mas vou entregar-me por inteiro a cada batalha. Venha o que vier, a fortaleza tem que ser reconstruída.

02/02/2010

Para quando acordares


As primeiras luzes da madrugada entram tímidas janela adentro, beijando-te a pele cândida. Jazes a meu lado (in)consciente da tua imperial beleza, despida como vieste ao mundo, tranquila no teu invulgar sono.


Não posso mais consumir-me nestas noites em que tu és rainha, em que impotente me apago perante a tua soberania indiferente. Nunca vi uma pele tão pura que contivesse em si um ser tão devasso, tão alheio aos sentimentos de quem a ela se subjugue. Tens-me na palma da mão e usas-me a teu bel-prazer. Sei-o e a muito custo o admito para mim, pago caro esta dependência. Sinto vender a alma ao diabo, noite após noite. E tu indiferente, do alto do teu pedestal, intrépida consumidora de auras alheias.


Oxalá pudesse redigir-te estas palavras sem a pressão de conjugar género algum. Mas inevitavelmente sei que sou tua e dessa tua pele impiedosamente devassa, assustadoramente viciante. Jogo perigoso, este da entrega que jogamos. Perigoso para mim, que continuarei súbdita, reles plebeia dos teus desejos inflamados, para um qualquer dia acabar esquecida numa latrina infesta.
Vender-me-ei mais uma vez esta noite para depois cair novamente no abismo das incertezas, prostituta sentimental que sou.


Uma reles puta.

27/01/2010

Retratos antigos (revisited)


Acabo por beber as cervejas sempre sozinha. Compro-as ali no mini-mercado, aquele logo no início da rua. Tu é nunca achaste muita piada à bebida. Pouco importa, o sítio vale por si e pela companhia que se traz.


Sempre gostei dos finais de tarde do Adamastor. Gosto do sabor a liberdade que por lá se sente, gosto da mistura de freaks despreocupados com os pseudo-yuppies que por lá se passeiam volta e meia. E gosto de te trazer comigo, mesmo que não gostes de beber cervejas.


Lembro-me perfeitamente de uma fotografia lá tirada pela velha máquina dos adesivos e dos parafusos. Lembro-me bem da maquilhagem que usava nesse dia, e do vestido, um vermelho de que parecias gostar. Os brincos, eram aqueles vintage de mola, nos quais toda a gente repara sempre, aqueles que perdi na última festa a que fomos. Do retrato, pouco ou nada lembro, até porque estava mais ocupada em fotografar-te na minha cabeça. As tuas mãos pequenas, os dedos semi-curvados, como sempre fazes quando pegas nalguma coisa. O ar sisudo que sempre envergas quando procuras cristalizar qualquer imagem. O sorriso no final, quando é conseguida a tal que queres recordada. Não me lembro do meu retrato pois estava demasiada ocupada nestas lides, catalogando cada momento que não quero ver esquecido.


Pouco já me importa o retrato. Preocupa-me antes esta galeria de imagens que desabou na minha cabeça e que não consegui ainda pôr em ordem. Umas quero guardar, outras nem tanto.


Uma coisa é certa. Estás em todas elas.


Dá-me tanto trabalho arrumar-te!...
Mas você quer fazer carreira na Banca ou não? Huuum... Não pode haver grande margem para muita meditação. Aqui é assim, ou se quer ou não se quer. Aqui, impera a imagem corporativa, o lógica do objectivo, a óptica do lucro. E a malfadada pergunta insurge-se sempre que a menina H4rdDrunk3r dá uma ou outra resposta menos agradáveis, menos ao gosto dos 10 (DEZ) chefes que tenho para assistir. Sim, porque se há coisa que sou desde que lembro de mim como pessoa, é respondona. E aqui aprendi que isso nem sempre joga a meu favor. Mas não foi com o propósito da auto-análise crítica que aqui vim - isso fá-lo-ei logo à tarde, com a minha mais recentemente contratada therapist (soa bem, não soa?).



Adiante.




Mas você quer fazer carreira na Banca ou não?
é a frase que todos os meus 10 (sim, DEZ) chefes usam sempre que precisam de me pôr na linha, de me lembrar que amigos, amigos, negócios à parte, de me darem um chega para lá que não me deixa escapatórias possíveis. E para alguém que queira no mínimo preservar o seu emprego - como é o meu caso - e ao mesmo ir caindo nas boas graças dos seus senhores feudais, , a resposta tem que ser imediata, seca, impensada. Alto e bom som, SIM, QUERO!!, quase como num bater de continência, mas em modo civil e adaptado à realidade bancária.




A questão que se põe é... E será que quero assim tanto essa carreira? Nem tanto pela área em si - já nem vou falar nisso, que me deixa deprimida - mas sim pelo peso que a palavra carreira carrega consigo. Afinal, quero a carreira porque esta me deixe feliz.. ou apenas para mostrá-la aos outros? Do que vejo à minha volta todos os dias, a carreira é hoje, mais do que nunca, algo que podemos esfregar na cara dos outros.



Olha as fotos da viagem às Maldivas que fiz com o bónus ganho no ano passado.



Olha a almoçarada que me pagaram pelos resultados de ontem.



Olha o meu CLK acabado de chegar, oferecido pela empresa!




Fuck that! Odeio estas manifestações de opulência completamente gratuitas e perfeitamente egocentristas. Não me passa pela cabeça correr atrás de uma carreira para a gritar aos sete vezes, alarde do alto da minha vaidade. Não é isso que me faz feliz.


Se puder todos os dias fazer o meu trabalho um bocadinho melhor e ser reconhecida por isso, porque raio hei-de viver obcecada com a $#"/&%)*"# da carreira que todos me tentam impingir?