22/08/2010



Do lado de lá da janela, as primeiras gotas de chuva da estação anunciavam um Outono que prometia dias memoráveis. Os vidros embaciaram com o vapor do café e dentro da casa ficou só o intermitente da chuva no jardim. Pôs o seu melhor vestido hippie, sentou-se no chão de pernas cruzadas e apoiou os cotovelos na mesa amarela que a avó lhe tinha dado. Sabia-lhe bem o sol do Verão, mas do que gostava mesmo era de Outono, de folhas secas e de chuvas, de mantas e bebidas quentes. Inalou a plenos pulmões o vapor quente do café, antes de acender a doce mistura que tinha entre mãos.

Um primeiro bafo.

Depois outro…

Outros se seguiram…

Dentro em pouco, a realidade ou o que dela restasse pouco importariam. Porque o mundo seria feito de gotas de chuva, vestidos hippie, chávenas de café, mesas amarelas. Nunca a solidão lhe houvera sabido tão bem. Cansara-se de não saber escolher pessoas. SIM, porque as pessoas precisam de ser escolhidas. Sabia que era assim que tinha que ser feito, sabia-o desde sempre, desde que aprendeu a distinguir a mãe dos outros só pelo cheiro. Sabia que o fazia descaradamente em criança, quando terminantemente se recusava a dirigir o olhar a alguém, quanto mais dignar-se a cumprimentar esse alguém no rosto. Selectiva desde sempre. Aparentemente, não lhe valera de muito. Nunca apreciou a solidão nem nunca soubera estar sozinha. Contudo, de há algum tempo a esta parte, dava consigo satisfeita nestes momentos de isolamento, onde só a ela própria se ouvia, ignorando um mundo inteiro a acontecer do lado de lá da janela.

Pouco importava.