02/07/2010


Não raras vezes (diria mesmo todos os dias) dou por mim especada a olhar o calendário, dia após dia, à procura de algo que distinga uns dias dos outros. Um aniversário, um jantar, um evento, uma festa. Algo que me faça sentir que esse dia valeu a pena, que não foi só mais um em que me levantei para trabalhar, voltei para casa, lavei a roupa, fiz o jantar, e deitei-me sem mais delongas. Ou talvez procure apenas um motivo para me esquecer de mim e dessa imenso elefante plantado no meio da sala a que chamamos solidão. Percebi a importância que dou ao calendário hoje cedo, foi a primeira coisa que fiz quando cheguei ao meu novo local de trabalho. Mudaram-me de sítio mais uma vez, e a única coisa que deixei para trás foi o bendito calendário. O que de imediato resolvi, já que pedi que mo enviassem.

Não sei o que pensar do facto de procurar significados para a minha própria vida num conjunto de folhas de cartão cuja única função implacável é enumerar os dias, lembrar-nos da placidez ignóbil com que vão pensando. Olhar para os dias nele impressos faz-me lembrar da família que já não tenho. Dos inúmeros feriados por preencher, os Domingos, os Natais e as Páscoas. São vazios avassaladores e que doem se pensar muito neles. O que resta então no calendário? Os aniversários dos outros, daqueles de quem gosto, e que me fazem lembrar que afinal talvez não esteja sozinha. Ou talvez esteja, e o calendário não faça senão mascarar essa realidade.

Esta manhã, momentos antes de perceber a ausência do calendário, bebia na minha cozinha um café horrível que fiz na ilusão de o conseguir beber. Lembrei-me do café como nunca mais encontrei igual que a avó me fazia e me levava à cama nas férias, embebido em pão velho, tão bom! A avó era muito querida, e sei agora que nunca a abracei tanto quanto gostaria. Não tenho sequer a certeza de alguma vez lhe ter dito o quanto gostava dela. Hoje sinto-lhe a falta, e do avô, e da mãe, e dos Domingos em que almoçávamos todos juntos. Era chato ter que sair da cama a ensaiar uma ressaca que ia durar o resto do dia, e encarar a família. Hoje já nada disso existe. Resta apenas uma casa vazia, e eu dentro dela, a enfrentar o vazio que tenho dentro.