20/10/2008


Nunca pensei que me fosse habituar a ver a tua foto numa pedra de cemitério. Aliás, nunca tinha sequer tido esse pensamento. À excepção de quando acordava a meio da noite em criança, a almofada molhada, os olhos inundados de terror. E ia sorrateira ao teu quarto espreitar-te, confirmar a tua respiração, convencer-me de que ainda ali estavas para mim. Convencer-me de que lá estarias sempre.

Hoje misturo-me com a procissão negra das viúvas no meio das campas cinzentas e desgastadas. Sem flores, sem ilusões, sem sonhos. Só as lágrimas que levo comigo e que te deixo quando vejo a tua foto. Será que me vês? Será que me sabes visitar-te? Será que queres flores? Quando tudo o que queria era o teu abraço...

Nunca me hei-de habituar à tua fotografia dramaticamente tranquila naquela pedra que nada diz sobre ti, sobre o que fomos juntas. Sobre o quão felizes ainda podíamos ter sido.

08/10/2008


E uma intimidade impossível de delinear. No meio da multidão, sinto-te sussurrar a escassos centímetros a tua boca da minha nuca. Insistentemente a procurar os limites, as linhas com que se cose a fatiota janota em que nos metemos. Não consegues, nunca vais conseguir. É como comprar um one way ticket. Entras em mim e não há mais saída possível, labirinto sem saída não por defeito mas por feitio.

A aliteração pobre de uma criança de 12 anos. Amo-teadoro-teamo-teadoro-te. Poupa-me! Dejà vu não faz o meu género! Bato a porta e saio. Enquanto desço as escadas furiosas, consigo ainda ouvir a copo de vidro que cai no chão enquanto faço o piso tremer. Sinto cada caco a partir, a estalar dentro de mim. E a fúria de não saber onde nem começas nem onde acabas. Pois aí estarão também o meu princípio e o meu fim.
E seres como o cheiro da terra quando chove. O melhor cheiro de todos os cheiros do mundo desde que me vejo ser eu, desde que a ameaça da vida passa por mim. Seres o melhor dos cheiros. O cheiro do campo quando chove. Esse odor mais límpido, suave, sonante e silencioso do mundo. O mais mais mais que tudo de todos os cheiros do mundo. E tu seres terra molhada, fértil, húmida. Seres a tranquilidade em mim, o silêncio e os pássaros.



Sento-me e bafo só um pouco mais. Deixa-te dessas merdas, insisto inutilmente. Pensamentos cada vez mais estúpidos os teus, sua inergumena! Pássaros e terra molhada??? Tsss tsss, já vi melhores dias!