16/09/2008


vais-me desaparecer?



Hoje novamente. Pegar no telefone para lhe ligar. Cair na realidade no mesmo instante. Não há nenhum número gravado. Não há ninguém do outro lado da linha. Há já muito tempo. Tempo demasiado para uma dor tão grande num peito tão pequeno. O telefone estupidamente parado a meu lado, porque ninguém chegará à voz dela quando me atendia. Porque não vale a pena ligar a ninguém. Ninguém me amará tanto do outro lado do telefone.
As pessoas do metro são demasiado feias. E a música que sai dos meus auscultadores torna-as ainda mais feias, sujas, mal dispostas, azedas, cinzentas. E não as consigo encarar. Nem elas a mim. Fugimo-nos reciprocamente, inevitavelmente, circularmente. Olhares ping-pong. O meu bate em ti, tu passa-lo para o da frente, o da frente para o do lado. pingpongpingpongpingpong. DINGDONG Marquês de Pombal, há correspondência com a linha amarela (uffffffffffffffffffff) e respiro finalmente. Enquanto subo a Braamcamp, evito pensar porque odeio tanto as pessoas do metro. Mas a verdade é translúcida demais para lhe fugir. Com as evidências não há pingpong. Não são as pessoas do metro que são feias. É o meu cinzento que as torna feias, é o saber-me igual a elas. Eu também sou uma das pessoas do metro. Umas das feias, sujas, mal dispostas, azedas, cinzentas pessoas do metro. Olho-as e odeio-as por me saber ser assim também. São já 8h27. Oito horas e vinte e sete minutos. Pico o ponto e urante todo o dia fingirei um não-encontro com as pessoas do metro. E finalmente às 17h voltarei a odiá-las/odiar-me. Às dezassete horas.


sabia-me bem o colo dela

02/09/2008


Lisboa devia ser sempre Agosto. Setembro e sentem-se as hordas impiedosas de gente chegar sequiosa, voraz, cansada. Setembro morno abraça Lisboa languidamente, num abraço que só perderá força no próximo Agosto. E no outro. E depois no outro. Até lá, a cidade será da multidão.

Sorve-se ainda o que sobra de Agosto. As estradas ainda reservam uma réstia do espaço que predominou. Há quem ainda consiga fingir o bucolismo que então devastou Lisboa. Eu já não consigo fingir. Os olhos dos outros pregados no chão são inevitavelmente contagiosos, a melancolia por um estado de alma que já está a um ano de distância. A ansiedade frustrada/frustrante de querer sobressair no meio da multidão e de nunca sair do mesmo sítio. Agosto deixou a ilusão doce de que a cidade era dos sobreviventes que cá ficaram. E durante 31 mágicos dias, fingimos insensatamente que Setembro não chegaria. Mas chegou, ímpio e cortante.


(suspiro) E Lisboa, que devia ser sempre Agosto... (suspiro)