Mais um dia de entranhas expostas. De revolver os horrores guardados fundo. Imagens hediondas, fétidas, a lembrar corpos velhos em decomposição. Não lhes posso com o cheiro. Dão-me naúseas, torna-se uma questão de sobrevivência esquecê-las.
A negligência e o abandono claros como água, como numa inédita lucidez de quem os vê pela primeira vez. Como se nunca tivesse vivido no meio deles. Afinal vivi, e não sabia. Ou não quis saber, já não sei.
Meto as mãos à cabeça e fico a pensar onde fui afinal buscar tantos sorrisos, onde fui sendo capaz de ser feliz, aqui e ali, pequenas injecções de felicidade. Indiferença propositada ou o teatro de uma vida inteira? Já não sei, já não distingo o que é certo do que é errado, o falso do verdadeiro.
Viver num circo de horrores tirou-me toda e qualquer certeza do que sou, a consciência do que é ser eu própria, viver dentro de mim, presa dentro de mim, twenty four/seven.
Mais uns meses, quem sabe, e talvez consiga deixar sair todos os monstros e encontrar lá dentro algo remotamente parecido com a imagem que tenho de mim própria. Conseguirei sobreviver-lhe(me)?
2 comentários:
Não tenho qualquer dúvida. Consegues.
Não os expulses, não os arranques. Vive-os. Eles depois acalmam... mas não desaparecem.
Anda lá, reencontra estilhaços de ti. Fazes falta.
lembrei de um poema que li outro dia:
Mesa
Mais importante que ter uma memória é ter uma mesa
mais importante que já ter amado um dia é ter uma mesa sólida
uma mesa que é como uma cama diurna
com seu coração de árvore, de floresta
é importante em matéria de amor não meter os pés pelas mãos
mas mais importante é ter uma mesa
porque uma mesa é uma espécie de chão que apoia
os que ainda não caíram de vez.
Ana Martins Marques
[te aguardo na mesa de jantar ou de um bar, pra gente se segurar].
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