23/01/2008
Da indecisão de uma ida ao cinema - Parte II
Verdade seja dita, Censurado não prima pela técnica. Mas o filme não deixa de merecer um olhar atento por isso. Até porque me levou às lágrimas. De Palma deixa-nos com uma ideia de um exército americano obeso, inibido de pensar, qual robot que cumpre aquilo para que foi programado. Algumas das personagens podem mesmo dizer-se fascistas, não no sentido lato do conceito, mas quando o imperativo é chegar ao Iraque e kick some ass à bruta. O que, em "americano", significa despachar tantos Hajji quanto possível.
A cena da violação obrigou-me a desviar o olhar, pela crueza e pelo facto de saber que há um fundo verídico por detrás daquelas imagens. Não quero com isto dizer que todos os americanos são mercenários, sanguinários e violadores. Mas fica a ideia de que aqueles soldados, ao fim de umas quantas missões, perdem a noção do sentido de dever, da obrigação moral que os levou ali.
Fiquei, enquanto espectadora, dividida sobre o que deve prevalecer, a visão individual ou colectiva da coisa. Isto é, cada soldado, enquanto indivíduo, está ao serviço da política externa imperialista norte-americana, e quanto a isso, nada a fazer. É o colectivo que dá pelo nome de exército. Mas são as acções pessoais de cada indivíduo, como a violação retratada no filme, que somadas num todo, fazem a guerra que ali se vive todos os dias, a guerra que fica para a história arquivada em tribunais marciais impotentes. Nada de novo há a registar neste tipo de comportamentos, que tanta projecção tiveram em conflitos passados, como foi o caso do Vietname.
É sem dúvida difícil tomar uma posição concreta face a este conflito. Condeno a invasão americana, que naturalmente enquanto única potência mundial no momento, não podia deixar passar uma imagem de impotência e inacção após os ataques do 11 de Setembro. Caído por terra o argumento das armas de destruição massiça, fala-se então da implementação de um Estado democrático. Que teima em aparecer. Enquanto isso, perdem-se vidas de ambos os lados. Vidas civis e militares, americanas e iraquianas.
O filme termina com uma série de imagens reais dos efeitos colaterais da guerra. Aí o corpo torna-se demasiado pequeno para conter as lágrimas, o corpo aperta-se contra a cadeira e no vazio da sala só se ouve o eco do coração, que bate desenfreado, à medida que mais e mais crianças desfilam mortas perante a impotência do meu olhar ocidental.
Não queria dar uma visão simplista e redutora dos factos, mas penso que é claro aos olhos de qualquer um que os Estados Unidos já revelaram, em igual medida, tanto o seu poderio militar, como a incapacidade para ter mão numa situação que está fora de controle. Resta aguardar pelo que reserva o futuro. Impotente.
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3 comentários:
Muio interessante o que escreveste, e dá para pegar em várias pontas. Uma delas é a da responsabilidade individual vs. colectiva. Quer-me parecer que, independentemente do juizo que façamos sobre a bondade da intervenção norte-americana (e o meu juizo será próximo do teu), cada combatente é individualmente responsável pelos crimes de guerra em que participe. Não há cá desculpas. Mas talvez aquilo para que o filme desperte (e digo isto sem o ter visto...) seja para a ideia de que não há guerras limpas. Ou seja, elas atraem e estimulam o de que pior há em nós, humanos. Uma vez começada, é muito difícil de colocar balizas. Entre outras coisas, os americanos parecem ter tido uma dificuldade histórica em aceitar e tirar as devidas ilacções deste facto. Esta é uma pesada responsabilidade de quem começa qualquer guerra. Isto não é um argumento puramente pacifista (às vezes tem mesmo de ser...), mas é seguramente um argumento que conta para o lado da paz.
Não podia estar mais de acordo contigo. Os EUA estão a ficar (e é triste) especialistas em deixar pesadas heranças nos países por onde vão passando, por um ou outro motivo. Pena a ONU, a suprasumo das organizações mundiais, seja publicamente ignorada e desacreditada, quando o império americano quer estender os seus tentáculos ao Oriente.
Tempos curiosos, estes que hoje vivemos.
Eu também fui ver. E também me doeu. Não faço a condenação de todos os americanos até porque o filme também mostra o outro lado da barricada. também vemos crianças a colocarem bombas, que depois acabam por matar um dos soldados mais atentos, lembras-te? E também vemos companheiros americanos daquelas duas bestas ambulantes revoltados com as imundícies que saem daquelas bocas. E vemos o aproveitamento mediático, e todo o envolvimento circundante.
Pronto, mas parece que estive quase duas horas a levar murros no estômago e a pensar: mas porque é que eu me estou sempre a queixar?!?!? ;)
E aquela imagem final... Ainda não esqueci. E não sei se algum dia esquecerei...
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