Ontem não pude evitar mais umas lágrimas no autocarro... e mais umas quantas no Metro. Porquê? Porque fui assaltada por um dos medos mais humanos que podem existir. Aquele estranho medo, quase pânico, de quem teme esquecer o rosto daqueles que se amou um dia e que já partiram.
E chorei porque, após algum esforço de memória, não conseguia recordar o rosto da minha avó. Chorei porque me senti incapaz de lhe lembrar as feições. Porém, é impossível esquecer as mãos curtidas de anos de trabalho que me aconchegavam naquelas noite frias que só se sentem nas aldeias. E as ternura dessas mesmas mãos que tanto me alimentara, cuidaram, embalaram, curaram.
E sentir o corpo encolher, frustrado perante essa impotência de recordar um rosto que olhei todos os dias da minha vida, desde que nasci. Sensação essa que é ainda mais castrante quando a maior parte do que tenho e sei sobre a minha família, só o posso encontrar em fotos, em memórias, em pedras tumulares. Pergunto-me por isso como é possível não lembrar o rosto da avó que amei, como posso cometer tal heseria sem ser punida por algum desígnio superior.
Dói não lembrar. Tudo é estranho, quando muito do que resta da família é-nos dado por alguns momentos de solidão. Num qualquer banco, numa praia qualquer.
11 comentários:
Se essas lágrimas sairam, se esse medo existe, é porque a lembrança nunca há-de desaparecer. O Amor é assim.
Beijinhos!
eu sei que dói, também já me esqueci de muita coisa que nunca poderia ter sido esquecida. e hei-de esquecer muito mais. mas depois penso: mesmo que o meu cérebro não consiga dar-me uma imagem, um cheiro, um toque, se me faz recordar que não me lembro ainda existe uma réstia de lembrança. e a devida homenagem a tudo o que se tornou irrepetível também.
Lembras-te muito e bem, parece-me... Sentimentos de culpa é que me parecem desnecessários. Já chega o resto.
Quando vir uma rapariga a chorar nos transportes públicos pergunto-lhe se tem um nick no blogger esquisito e impronunciável, com números e letras misturados, para ver se a distraio.
Às vezes emocionam-me mais os vossos comentários do que os motivos que me levam a escrever os relatos.
Obrigada!!!!
também me emociono mais com os meus comentários. acho que vou deixar de ter um blog e comento só os vossos.
:')
Será que vou viver tanto tempo a ponto de me esquecer do rosto do meu filho que partiu há três anos?
Ou pior, de me esquecer que ele partiu?
A avó dele nem sabe que ele partiu...
Abraço solidário
Será que vou viver tanto tempo a ponto de me esquecer do rosto do meu filho que partiu há três anos?
Ou pior, de me esquecer que ele partiu?
A avó dele nem sabe que ele partiu...
Abraço solidário
desculpa entrar "sem convite"... vim do hotel, depois de ler as tuas palavras.
tu lembras!
podes não ter lembrado o rosto... lembraste as mãos... o carinho...
por certo o rosto virá!
um abraço
luísa
Já não tenho avós e não sabes o quanto fiquei emocionado com o teu post. Por vezes, também tenho esse medo, o medo de não recordar o rosto da minha avó que me criou, que me ensinou o que era a vida. E também os meus avós paternos, o meu avô que tantos provérbios e tantas brincadeiras me ensinou, brincadeiras essas que me ficou na memória e quero transmitir aos meus herdeiros, se os tiver :) e também a minha avó materna que tanto só descansou quando eu assinei o contrato para ficar no meu trabalho e depois faleceu pouco depois.
Há um mimo, lá na tasca da menina!
Vai lá buscá-lo!
Beijo Beijo
Enviar um comentário