A galeria foi percorrida em silêncio. Cada tela apreciada sem ser pronunciada uma palavra. O casal lésbico sempre ali ao lado foi talvez a presença mais calorosa ao longo daquela visita frívola. Até que chego a uma sala onde uma tela projecta sempre o mesmo vídeo, de alguém que traça círculos infinitos à sua volta. E do lado de lá da tela, uma criança. Da qual só vejo a sombra. Os canudos caíndo do alto da sua pequena cabeça num rabo de cavalo comprido. E a sua sombra leve, embalada no infinito dos círculos do vídeo, ingénua. Deixo-me ficar, sinto tudo cair por terra. Sinto-me uma versão forjada do Peter Pan. Vejo-me naquela sombra projectada na tela. Vejo-me de cabelo apanhado em rabo de cavalo, vejo-me dançar na rua onde ficava a minha casa, e sinto-me feliz porque ainda nada sei do mundo. E nada pode ou consegue superar essa felicidade da infância. Invejo-a, mais do que tudo, invejo a sua inocência, invejo a protecção que sente na mão da mãe que a pega e a leva galeria fora. Nesse momento, inveja. E um olhar a ficar marejado, para logo se conter e rumar porta fora. Sim, porque os corações de pedra não choram.
Lá fora está frio, e o silêncio mantém-se inquebrável. Já dentro do carro, dois ou três bafos de erva, já não sei, trazem-me de volta a realidade ainda mais crua. Falar de sentimentos? Naaah. Os corações de pedra não o fazem.
Quero voltar lá para dentro, esconder-me atrás da tela e assim criança dançar para sempre.
Lá fora está frio, e o silêncio mantém-se inquebrável. Já dentro do carro, dois ou três bafos de erva, já não sei, trazem-me de volta a realidade ainda mais crua. Falar de sentimentos? Naaah. Os corações de pedra não o fazem.
Quero voltar lá para dentro, esconder-me atrás da tela e assim criança dançar para sempre.