05/03/2008

ISABEL





Nunca tinha dito o nome dela. Mas era Isabel. E há precisamente 365 dias atrás, eu ainda a tinha, e ainda achava que íamos ter uma hipótese de ser felizes os 3, como sempre sonhámos. Mas horas depois tudo mudou. O mundo como eu o conhecia até então desabou. E nada aconteceu como no poema da Sophia. O vento não passou, o chão não estalou, as portas não bateram. Foi imediato e sem pré-aviso. E tudo dentro de mim ficou ainda mais cinzento, mais desmaiado, mais fraco.


Quando era miúda, adormecia inúmeras vezes lavada em lágrimas porque tinha medo de me perder dela. Ou porque tinha um pavor enorme que ela morresse e me deixasse sozinha. Chorava baixinho, soluçava e, quando não aguentava mais, pedia-lhe para ficar enroscada nela. Hoje sinto como se isso tivesse sido uma espécie de aviso "aproveita enquanto a tens, mima-a, dá-lhe o teu melhor, olha que não a vais ter sempre". E foi isso que fiz toda a vida, perante os olhares enciumados das minhas amigas, que invejavam a relação que nós tínhamos. Ela era mesmo a mãe mais querida do mundo. Com quem apanhei a minha primeira bebedeira. A quem contei todos os segredos que fazem parte do imaginário de adolescente. Que ia comigo dançar no carnaval. Que me deixou ter um namorado aos 13 anos. E aos 15. E aos 16. Que nunca me julgou nem desconfiou de mim, nem me tentou cortar asas. Deixou-me voar, deixou-me viajar, deixou-me ser eu, e fez de mim aquilo que sou hoje. Ajudou-me a criar esta armadura que me protege dos embates duros, como que se me estivesse a preparar para o que aconteceu há um ano atrás.



Esta é a praia onde a levei no último dia que passou fora do hospital. Pediu-me que fosse com ela à praia, queria sair de casa, espairecer, ver o mar... e que estivessemos juntas. Fui, e relembro cada detalhe dessa tarde vezes sem conta. Lembro- me das cores com que o sol se pôs nesse dia. Lembro-me do prazer com que comeu o gelado comprado na Dona Natércia. E de como ficámos as duas em silêncio, a ver o mar, como se procurassemos a paz que o inferno dos meses seguintes nos iria roubar.

Um ano volvido, encontro-a sempre, de cada vez que volto à praia em dias de inverno. Naqueles dias em só as gaivotas e o vento povoam o areal e o mar, nos dias em que é obrigatório um casaco, um gorro, e uma erva amiga que distorça a realidade.

E passo em revista cada regresso a casa, em que os abraços que me dava me sabiam ao mundo inteiro. Ou quando me levava ao aeroporto, chorosa. Como daquela vez em que furou toda a segurança do Aeroporto da Portela só para me dar mais um beijo, porque ia atravessar o Atlântico com 11 anos e ela teve medo de não me voltar a ver. E a cara que fez, quando após uma ausência de 5 meses em Roma, cheguei a casa de surpresa, e ela me esborrachou entre beijos e abraços e muitas saudades acumuladas. E as mensagens que me mandava, tão abreviadas em 'k's e 'x's, a ponto de eu não entender nada. E aquela vez em que jogou comigo uma espécie de Big Brother, e deixou espalhadas, em pontos estratégicos, mensagens com tarefas que, a serem cumpridas, davam direito a uma recompensa.

Tantas, tantas e tantas coisa que cabiam aqui, e que a minha memória me devolve todos os dias em lágrimas nos olhos. Momentos infinitos, incontáveis, horas de ternura que ela me deu sem pedir nada em troca, com aquele olhar infindavelmente doce que tinha. E um coração enorme.

Era a minha mãe. E eu já não a tenho. Sinto-me sozinha.

#Imagem: by molin_one, Praia da Areia Branca

20 comentários:

Bolha disse...

Chora tudo o que tens para chorar, deita tudo cá para fora, sem pensar, sem racionalizar, sem ter medo. Presta-lhe a homenagem mais verdadeira que possa existir dentro de ti. Depois enxuga as lágrimas e levanta-te. Niguém disse que era fácil. Mas nós estamos cá para ti.
Eu estou cá para ti!

*xoira pequenina

Rosa dos Ventos disse...

Um abraço solidário!
Mas tenho a certeza que Ela se pudesse escolher, escolheria assim.

rv disse...

um sopro de coragem e um abraço p intimidar o vazio

:)

Ema disse...

acabaste de me lavar em lágrimas em frente ao computador.
acabaste de me fazer ir lavar os olhos e o nariz.
acabaste de me fazer repetir que a minha Mãe é a criatura que mais amo na Vida.
acabaste de me lembrar a minha Tia, melhor amiga da minha Mãe, minha também, minha madrinha, ser humano exemplar, que a morte levou quase há 7 anos. acabaste de me lembrar que às vezes pareço vê-la na rua, e às vezes ainda penso que é mentira.
acabaste de me lembrar o quão injusta é a morte precoce.
acabaste de me recordar a tua Mãe com quem ainda tive o prazer de me cruzar 2 ou 3 vezes.
acabaste de me lembrar o quanto lamento não ter estado ao teu lado no ano passado, mas os 3000km que nos separavam eram insustentáveis, como bem sabes.

este texto é a perfeita homenagem e ela, só tenho pena de não o conseguir ler outra vez. não se faz. sabes que eu sou chorona. :)

***

Anónimo disse...

não sei mesmo o que dizer. aliás, é impossível dizer o q quer q seja...

mta coragem ... mta.

Maria del Sol disse...

Fiquei há vontade uns 5 minutos a olhar para o monitor sem fazer a menor ideia do que havia de escrever que não fosse supérfluo... acho que nestas alturas mais vale um abraço sincero que todos os discursos do mundo. E é isso que eu te deixo. ***

Francisco disse...

"There is another world
There is a better world"

Anónimo disse...

olha...conheço um spot c um belo piteu! Beira-rio...caipirinhas...
Podíamos ir pa lá perseguir os arrumadores do parque de estacionamento com pedras e paus, gritando palavras de ordem!podíamos levar a guitarra tb! e tu punhas brilhantina no cabelo e fazias aquela poupa parva que trazes do trabalho! eu podia pôr uns óculos de fundo de garrafa e usar uma boinita à che!...uhmmm
...espera lá...mas isso já existe...=/


....uhmm...


e se ficássemos sossegaditos...se calhar é melhor!...


=P



*



















(...dp podes-me bater...)

pegueitrinquei disse...

poopy... desarmaste-me com as tuas palavras... adoro-te porra**

E muito obrigada, do fundo, a todos os que não conheço, mas de quem já gosto muito**** Obrigada!!!

Marisa Fernandes disse...

A isto chama-se coragem. Isto é ser-se humano e isto é sentir.
Não te sintas sozinha...! Certamente, nunca foi esse o seu desejo.
Onde quer que ela esteja, ela quer-te como sempre quis e, como uma mãe quer um filho: sorrindo.
E uma vez mais, repito, tens muita coragem!
Beijinho*

P.S.: Quando escrevo "isto" não tenciono de forma alguma menosprezar ou substimar a tua dor.

Porcos no Espaço disse...

É difícil fazerem-me chorar, mas agora senti uma lagriminha a querer furar o bloqueio. Talvez porque ainda viva no pânico de um dia perder alguém assim tão próximo.

O teu post deixou-me meio abananado. Não sei bem o que te hei-de dizer.

Prefiro dar-te só um abraço e desejar-te muita força.

Anónimo disse...

Vou estar sempre por perto a vigiar-te e tentar completar um cadinhinho que seja dessa falta...que sei que é insubstituível nas nossas vidas...mas, é assim que sinto que tem de ser. E é assim que sei ser! Porque fazes parte das pessoas que amo!!!

Tua, Teddy*****

Cláudia Sampaio disse...

Eu sei que não me conheces. Mas sei que te posso dizer que podes contar com esta desconhecida que se emociona sempre que te lê. E como nem mil palavras podem dizer muito no dia de hoje, aqui fica um beijo e um abraço sincero.

PDuarte disse...

Já disse e repito, deves ser uma pessoa muito bonita.

PDuarte disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jaime disse...

O teu texto é muito bonito, muito verdadeiro e comovente. Tiveste uma mãe fantástica, que confiava em ti e em quem confiavas. De certeza que isso te deu uma força especial. Aproveita-a!

nelio disse...

já tenho 12 anos desse sentimento, a dor aguda já passou, o acumular da saudade já passou, aquilo que devia ter dito e não disse e o que não devia ter dito mas disse também já passou. ficou um sentimento bonito, sereno, uma memória luminosa. o ano de todos os primeiros é o mais difícil. depois, é mais um aniversário sem ela, mais um natal sem ela, e a vida vai retomando o seu rumo, a ausência deixa de ser tão forte.

um beijo, com carinho.

Anónimo disse...

Menina do nome esquisito...outra vez aqui a mexer comigo...pois é princesa, quase que eu podia ser tua mãe, pela idade...reconheço que tive mais alguma "sorte" porque tive a minha mais uns aninhos...não muitos, mas mais...a minha primeira grande perda foi a 05.03.1997, morria a minha Avó, que viveu sempre comigo e seguramente passou mais horas comigo do que os meus pais...
Em 2006 a minha Mãe, o mundo "parece" que acaba...essas tuas lágrimas desde há muito com o receio de a perderes, eu também as chorei, desde muito pequena, chorava a pensar se uma dia os meus pais morressem, mas no dia a seguir estavam lá, e é sempre assim até um dia...um dia um telefonema fala de uma "pedra na vesícula" e eu "ouço cá dentro" "a tua mãe está muito doente...", desde esse dia eu lutei contra uma falta de esperança que me dominava, olhava para as minhas irmãs e via-as sempre com um "vai correr tudo bem"...no dia em que acabou, eu agradeci a DEUS, o sofrimento porque ela passava era demasiado, e o meu egoísmo era excessivo...hoje chateio-me muitas vezes com DEUS...PORQUÊ A MINHA NI?
...desde há 1 ano, 4 meses e 3 dias, a minha primeira frase do dia é "Bom dia Mãe" e a última do dia é "até amanhã Mãe"...porque elas nunca nos deixam, por isso "pequenina" do nome esquisito, não digas que hoje já não a tens...porque ela vai estar sempre contigo e com o teu irmão...Um Abraço Forte

Unknown disse...

Deixaste-me na boca um gostinho a papel que há muito não sentia... senti a falta de ar, as mãos a tremer, o coração a mingar. Segundo a segundo espreitei a porta com medo que o teu irmão entrasse e me visse de olhos inchados. Como seria capaz de lhe explicar? Não seria! Tranquei-me na casa de banho até conseguir voltar à sala. Enrosquei-me nele e tentei dar-lhe miminhos sem que nada percebesse. Tu não estavas. E ainda bem! Não iria conseguir olhar para ti...
És uma pequena força da natureza.
Obrigada por existires e fazeres parte da minha vida!

agriao disse...

Percebo-te perfeitamente, acredita.