20/03/2008

Beatriz, a movie maker

A informação entrou-lhe a um velocidade alucinante, sem paninhos quentes, sem mãos na cabeça. Glup, engoliu em seco, pegou no copo e de um só trago engoliu a pouca água que restava, numa vã tentativa de se recompor. Letra após letra, viu o e-mail da Catarina aparecer no histórico de logins do e-mail dele. catarinaluz@coolkiwi.com . Assim, ali exposto, entalado entre os e-mails dele e dela. Arrependeu-se de imediato dessa ideia peregrina de lhe ter pedido para usar o computador. Desejava, com todas as suas forças, não ter visto aquilo. O sinal óbvio de que ele não estava pronto para esquecer a Catarina, aquelas letrinhas ali direitinhas, catarinaluz@coolkiwi.com. Imaginava-o prostrado perante o monitor, estático, e o cursor indeciso a apontar a palavra que mudava tudo: Esquecer-me. Eliminá-la do seu histórico, simplesmente. Clickando em Esquecer-me, não teria que deparar-se com o nome da Catarina nunca mais. Ainda pensou em fazê-lo. Mas ele iria reparar, certamente, e podia não gostar dessa ousadia dela.

Ignorou.

Fez o login.

Viu o e-mail.



E meteu-se na cama com ele.

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Beatriz tinha a mania de construir pequenos filmes, que iam passando na sua cabeça, lentamente, um após o outro. Relatos onde ela era a personagem principal, realizadora, produtora, argumentista. O último fizera-o quando estivera em casa dele naquela semana. Quando abriu a página para ver o seu e-mail e ainda lá estava o e-mail da Catarina. catarinaluz@coolkiwi.com. Normalmente não se sentiria incomodada, eram-lhe indiferentes estes pormenores. Mas ela era Beatriz, a movie maker. E só para si, representou mais um trecho, mais um take da mulher apaixonada não correspondida, cujo coração esmorece e se aperta perante o e-mail da adversária. catarinaluz@coolkiwi.com. Fingiu a banda sonora adequada ao momento, uma música de despedida lamechas que ele dedicaria à Catarina, fingiu a mágoa daquele nome que a feria, fingiu a paixão que sentia por ele, fingiu a dor por ela não esquecer a Catarina.
O problema é que a Beatriz fingia tanto, que às vezes dava por si a tentar entender se determinadas situações tinham sido realidade ou mais um fruto da sua feroz imaginação, Beatriz, a movie maker.


Fez o login.

Viu o e-mail.

E meteu-se na cama com ele.

11 comentários:

Jaime disse...

Essas coisas não costumam ser fáceis de ver...

pegueitrinquei disse...

Essas "coisas"?

rv disse...

este texto fez-me lembrar um filme francês "swimming pool"do Françoise Ozon, excelente por sinal, se ainda não o viste é uma boa oportunidade tendo em conta as tuas capacidades de escrita criactiva,

bjs

Anónimo disse...

há mtas mulheres assim, a paranóia faz com que sejam sempre infelizes e inseguras ao verem coisas onde elas não existem. bem, às vezes existem.

( e yep sou a amiga da rita e da sara que estava no bairro =))

Anónimo disse...

oxalá comigo fosse um simples filme na minha cabeça. oxalá.
mas n é.

Ema disse...

é o que eu digo, romancista.

Jaime disse...

Não é fácil para uma pessoa ver uma "coisa" que significa a presença de um terceiro ou terceira junto de quem se ama. Em vez de ver de uma vez e de forma simples, arranjam-se mil maneiras de rodear o assunto.

Pelo menos, foi assim que li a história da romancista H4rdDrunk3r. :-)

Cláudia Sampaio disse...

Mas pior é quando se lêem certas mensagens no telemóvel dele. E a vida muda a partir daí.

V. disse...

outch! sim, de facto a veia de romancista pulsa bem aqui por estes lados! :) já me viciei! *

Sorrisos em Alta disse...

Tenho que pedir a uma Catarina para me mandar emails e começar a emprestar a minha password!
LOL

O Profeta disse...

Mulher da ilha é solidão
É espera do vapor da madrugada
É aroma de milho em mesa de pão
É pio de milhafre, alma assombrada

Mãe em ninho feito de frias pedras
Por duras mãos cheias de jeito
Não sei se de ti brota um morno leite
Ou escorre rubra lava do teu peito


Uma Santa Páscoa


Terno beijo