11/03/2008


Esta intrépida alminha de antropóloga que vive dentro de mim insiste em não fechar o olho vivo e mordaz à observação dos outros. E ultimamente têm sido objecto destes meus estudos, os casais de meia idade da classe média-baixa lisboeta. Sim, convem aqui diferenciar a amostra em estudo, porque ser um casal de meia idade na cidade ou sê-lo no campo, é algo de completamente diferente. E como a maior parte do tempo estou na cidade, é então a amostragem urbana a escolhida.
Ao pensar no vocabulário que predomina quando se chega a esta idade e nesta condição social, ocorrem-me algumas ideias pouco confortáveis: disfunção eréctil, excursões domingueiras com direito a demonstração de produtos inúteis e menopausa. A demonstrá-lo está um estudo feito por um camarada antropólogo chinês, que constatou que cerca de 1/3 dos casais chineses desiste do sexo na meia idade (faz-me alguma confusão o modo como esta amostragem foi obtida, visto os chineses serem o povo recatado e pouco dado a exposições da sua vida íntima que nós conhecemos). Ou seja: meia idade é igual a disfunção eréctil, que por sua vez equivale a ausência de sexo! Mas o povo chinês também em pouco pode ser comparado com o português, muito menos com um target tão específico como o aqui abordado. Enfim, pulgas atrás da orelha à parte, voltemos ao meu estudo.

Que carro usa esta amostragem de pessoas? Um Citroên AX, de preferência vermelho, a diesel, de 1985. Ou então a vertente BX, suspensões super sexy's, guardadinho na garagem, polido até à última réstia de pó da estrada, e que só vê a luz do dia ao fim de semana, para ir a Belém ver das modas. Isto se houver dinheiro para a gasolina, que isto hoje está pela hora da morte!


O que é que estas pessoas fazem ao fim-de-semana? Tal como já tinha indicado antes, um dos passatempos favoritos é enfiarem-se durante horas num autocarro que sai do Rego às 7h da manhã, com destino a Castro d'Aire ou a Penedo da Cova. Uma vez lá chegados, há almocinho, bailarico e forrobodó. Pelo meio, vem a senhora organizadora do repasto tentar impingir uma almofadinha peluda que massaja quando pressionada, um saquinho de viagem de fabrico duvidoso, ou um espremedor de laranjas made in china.


Outra actividade bastante apreciada é a gestão logísitica dos almocinhos de Domingo. Este fim-de-semana, será na casa do primogénito, também ele deprimentemente da classe média-baixa, funcionário público de barriga gorda, moldada à secretária onde se senta. No próximo, almoça-se na casa da filha, casada com um latifundiário ribatejano, e muito bem posta na vida, Graças a Deus, nossa rica filha, o orgulho lá de casa. Acreditem, não é fácil gerir esta questão dos almoços sem ferir os sentimentos dos rebentos.

Após o repasto, fica sempre bem uma ida com amigos ao café lá do bairro ou, se as finanças permitirem abastecer o veículo, quem sabe uma ida ao Terreiro do Paço. A ver as vistas! Convidam-se os vizinhos do rés-do-chão esquerdo, outro casal do género, sem nenhuma nuance que os distinga uns dos outros. E lá vão eles os quatro, os cus gordos das esposas apertados um contra o outro no banco de trás do AX ou do BX. Elas discutem naprons, receitas, cintas adelgaçantes para a barriga quadrada e os pelos faciais que não param de crescer. Eles discutem a condução péssima dos taxistas, o golo do Benfica, o estado da economia, a incompetência do Sócrates. E agora, aquilo que mais me faz confusão no meio disto tudo, e que o meu estudo não conseguiu explicar: enquanto este passeiozinho domingueiro medíocre tem lugar, o carro circula a 50 km/hora. E isto, meus amigos, é um fenómeno transversal ao campo e à cidade, que afecta todo o país. E que me afecta a mim, quando quero chegar rápido à praia e A PORCARIA DOS CONDUTORES DE FIM-DE-SEMANA NÃO ME DEIXAM!!!!!!


E agora, se me dão licença, vou só ali cortar os pulsos.

12 comentários:

Maria del Sol disse...

Acabaste de descrever tudo aquilo em que não me quero tranformar.

Um grande viva para ti, por este momento de observação do bicho-homem digno dos melhores estudos da National Geographic. :P

Jaime disse...

Muito bem. Quando voltares de ter cortado os pulsos escreve outra fichinha atropológica como esta, combinado? :-)

Anónimo disse...

e condutores de domingo em pleno dia de semana quando já estou atrasada para ir para a estação, hein!?
dá-m vontade de cortar os pulsos todos os dias, n sei cm ainda n o fiz!! lolol

Anónimo disse...

percebo muito bem este gosto pelo q se observa e estuda pq tenho o mesmo no que diz respeito á antropologia.
Aproveito p te dar os parabéns pelos textos q tens neste espaço,

:) RV

Porcos no Espaço disse...

Acabei de ter uma visão do Inferno. Infelizmente é tudo real.

Então oh coisinha? disse...

Um retrato fidelissimo dessa gente!
Numa próxima oportunidade gostaria de ver aqui retratado uma fauna também conhecidissima de todos nós, que habita as praias da costa nacional, são eles a familia pipoca, com 400 filhos e a casa atrás!

Menphis disse...

E aqueles casais que pegam no carro, vão até à praia, ficam dentro do mesmo. O homem ou lê o jornal e ouve o relato ou está a ressonar. A mulher ou está a fazer croché ou a ler a" Maria" desta semana.

É que ainda por cima nos rouba os lugares de estacionamento, porque eu quero ir tomar um café na praia e tenho de estacionar longe.

Arthur disse...

li e gostei imenso deste post!

Anna disse...

és uma observadora nata. muito bem. mas estás a generalizar, bem, mas estás.

pegueitrinquei disse...

Eh pah, eu gosto de ter novos leitores... mas irrita-me um bocado quando eles têm blogs restritos nos quais eu não posso entrar! Abram lá os tascos =)

E uma visão do inferno, porcos no espaço... era mesmo isso que queria provocar-vos quando lessem. Porque é mesmo disso que se trata...

V. disse...

fónix... que coisa assustadora! :|

Abssinto disse...

Quanta verdade. Dir-se-ia onheceres a fundo a faixa etária em causa:)

E depois deste texto te "linko" lá no beco escuro.

bj