09/03/2008

ELE

tens os olhos mais bonitos que já conheci tens os olhos mais bonitos que já conheci tens os olhos mais bonitos que já conheci. Sempre em repeat mental, enquanto esperava que a figura dela surgisse por entre as canas amontoadas à beira rio. Sempre em repeat, para não esquecer nenhuma das palavras que lhe queria dizer nessa tarde tens os olhos mais bonitos que já conheci tens os olhos mais bonitos que já conheci.

Em rota de colisão desde que algum desígnio caprichoso do destino os fizera cruzar numa malha temporal irreal. Colisão colisão tens os olhos mais bonitos que já conheci. Tentava fixar o movimento ondulante do rio, esquecer a cor cinzenta da tarde e deixar-se levar. Por uma qualquer gaivota errante, nómada, animal. Esperava e sempre tens os olhos mais bonitos que já conheci. E ela sem saber. Porque ele nunca lho tinha dito. Como num bilhete de suicídio, que se quer conciso, preciso, directo. Como num telegrama, à antiga tens.STOP. os.STOP. olhos.STOP. mais.STOP. bonitos.STOP. que.STOP. já.STOP. conheci.STOP.

Suspenso pelo ar frio da tarde finita, às 7h no rio. Sim, às 7h. Eu vou lá estar à tua espera.

E esperou

E esperou

E esperou

E esperou

E esperou...

ELA

Folhas infinitas, dos poemas dele, das partituras, dos esquiços, dos bilhetes, dos apontamentos, dos pensamentos que só ela lhe conhecia. Às 7h no rio. Sim, lá estarei à tua espera. Em rota de colisão, movimento centrípeto infinito desde que algum desígnio caprichoso do destino os fizera cruzar numa malha temporal irreal. (já lemos isto algures). Queimou, pegou fogo, incendiou aquela pilha de papel que resumia a vida dele. Sim, ontem teria sido às 7h no rio. Sim, lá estarei à tua espera. Mas não hoje, nunca hoje. Porque hoje é o dia em que soube o teu segredo. Porque hoje é o dia em te deixo o meu bilhete de suicído. Porque hoje é o dia em que sucumbi às mãos do teu pecado. Não quero mais esta vida onde não sobra réstia de ti. Ardem os resumos da tua vida, os teus cadernos onde nunca cabi numa linha. Aqueles que escreveste ontem, antes, numa outra vida onde não havia lugar para mim. Ardem e também eu por dentro ardo com eles. Porque tu és esses cadernos, esse poemas, essas partituras esquiços bilhetes apontamentos. Morro e não me sinto ser. Parto e nunca mais será às 7h no rio.

Nunca

Nunca

Nunca

Nunca

Nunca...

5 comentários:

Maria del Sol disse...

Como diria o Miguel Esteves Cardoso, o amor é fodido. Mesmo.

Mas até os maiores desencontros têm um lado positivo, o teu texto está um espanto. :)

Luis Gaspar disse...

Lindo. Mas o que nos vale é a forma. A Estética. A simetria, o ele, o ela. A Estética é mais forte que o amor. Eu vou deixar-me do amor e passar à Estética.

V. disse...

WOW! *

Anónimo disse...

tenho de reler pa comentar...ainda tou meio ah nora...

Ema disse...

o melhor de sempre.