28/04/2008

Passage du silence

Vi passar um bocadinho de silêncio. Corria, mas em bicos de pés, talvez porque era o silêncio em pessoa e não queria fazer barulho, sob pena de ver a sua reputação afectada. Fui a correr a ver se o apanhava, porque estava cansada do ruído fútil que a cidade me impunha.

Enquanto corri atrás dele, fui deixando um rasto de cacos, de chávenas e copos e pratos que se partiam atrás de mim. E a cada ruído desnecessário, sentia o silêncio a ficar cada vez mais longe de mim, e sentia a cabeça mergulhar num frenesim ensurdecedor que não entendia. Então tapava os ouvidos com os dedos indicadores, e fingia que dentro daquele zzzzzzzZZZZZZZZzzzzzzzzZZZZZZZzzzzzzzz interminável havia silêncio e silêncio e silêncio. Mas não, os dedos cansavam-se, caiam para o lado e adormeciam, e eu voltava a correr atrás da sombra de silêncio que às vezes passava por mim.


Vezes havia em que procurava abafar o ruído com as lágrimas. Mas o plim subtil das lágrimas a cairem-me no colo era quase imperceptível, e não chegava nem para abafar o zumbido irritante da mosca que estava presa entre os cortinados e a janela. E eu a fingir que estava tudo bem, que ia ficar tudo bem, que ia encontrar o meu silêncio. Mas era só isso, um fingimento disfarçado de lágrimas. E o ruído sempre lá, sempre à espreita, e o silêncio esquivo, fugidio, líquido.


Ainda hoje deixo-me ficar bem quieta, sossegada, à espera de ver o silêncio passar para lhe deitar as mãos. Mas ele passa sempre tão rápido, e eu sempre à espera de um dia conseguir apanhá-lo.

3 comentários:

Menphis disse...

Quando publicares um livro diz, quero estar na primeira fila para o comprar. Gosto de ler as tuas histórias. :)

Abssinto disse...

Eu agarro-o. consigi fazê-lo, mas por pouco tempo.

lampâda mervelha disse...

A vontade era de colocar o texto do avesso e ler o que se esconde atrás do silêncio. Está lá, eu sei que está.