16/12/2009


Não lhe pareceu um desafio assim tão grande fazer o tal exercício de memória. Há muito que a relação vinha seguindo uma direcção demasiado unilateral, o que facilitava essa análise que o psicanalista agora lhe pedia. As (poucas) acções que podia identificar entre os dois partiam quase sempre de si mesmo, a imobilidade do outro lado era aterradora.


Queria fazer mais, entregar-se mais, amar mais. Mas sentia-se amputado pelo silêncio dela, excluído pela redoma em que ela se escondia, castrado na solidão em que vivia aquela "coisa" a dois.


Começou pois por ir respondendo ao psicanalista:


Beijo apaixonado? Huuumm... Não me lembro do último. (espontâneos também não, pensou. )

Abraços, não. (Say what? Isso o que é?, riu-se para si mesmo)

Palavras com significado? [tic tac, tic tac, tic tac] A resposta foi inevitavelmente semelhante às anteriores.


O psicanalista não precisou de fazer comentário algum. Já o acompanhava há algum tempo, já se compreendiam mutuamente sem serem necessárias muitas palavras, quase um acessório, em situações várias.

No caminho para casa interrogou-se como poucas vezes era levado a fazer. Não conseguia perceber o que o mantinha ali, agarrado a um sentimento que tinha quase por certo ser só seu. Afinal, merecia muito mais do que aquilo. Nada tinha a ver consigo ter que pedinchar afectos, manifestações de carinho, demonstrações de paixão. Afinal de contas, a paixão devia estar lá, como ele a sentia dentro de si.


Mas não. No lugar da paixão dela, apenas um olhar muito vazio, dois braços que não sabiam abraçar, nada que lhe falasse ao coração.







Na manhã seguinte, o seu nome fez as delícias dos jornalistas ao encher as manchetes do país inteiro. Atirara-se de um prédio aleatório na cidade, pondo um final trágico ao seu desamor.



Parece que a mulher lhe seguiu os passos nessa mesma tarde.

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