Viver cada dia como se fosse o último. Ser-se intenso, livre, espontâneo. Amar as coisas intensa, indomável e apaixonadamente. Esta é a máxima hollywoodesca com que somos involuntariamente injectados. Nos filmes, nos livros, na publicidade. Mas... e das 8h30 às 17h, enquanto estou naquele trabalho de que não gosto, a desempenhar tarefas que não me engrandecem, com as quais não me cultivo, com as quais me sinto estagnar irreversivelmente? Nesse horário de trabalho, o que fazer com a máxima do Carpe Diem? Chegará pôr um sorriso e fingir amar aquilo que se está a fazer? Chegará a hipocrisia de parecer bem por detrás de um balcão ao qual as pessoas chegam angustiadas, no fundo da sua pobreza, ou indiferentes, do alto da sua riqueza?Num cenário idealista, sim, eu era a maior apologista do Carpe Diem, e aplicava-o sem hesitar. Porque não me condicionava um horário de trabalho capitalista, onde diariamente sou confrontada com a pressão das vendas e com o crescimento do volume de negócio.
E depois há o David, que trabalha no restaurante onde almoço todos os dias. O David que fugiu de um destino mais que certo a uma aldeia no interior norte do país. Nos dias em que está mais brincalhão, pede-me em casamento e diz que vamos fugir para longe, fugir do namorado que eu o faço acreditar que tenho. O David lava a loiça, recolhe pratos, serve à mesa. E infalivelmente, pelas 10h ou 11h da manhã, é vê-lo entrar porta adentro a pedir que lhe troque moedas e sorrisos. Ponho-me no lugar dele e fico a imaginar se sentirá as mesmas angústias que eu, se é infeliz no trabalho, se se sentirá frustrado por não fazer mais por si próprio e pelo mundo. Será que ele sabe que existe o Carpe Diem, será que o sente enquanto recolhe um copo sujo de vinho, enquanto esfrega a gordura de um prato, ou quando a namorada o recebe em, casa cansado ao final do dia? Sabes do que falo, David? Imaginas o que sinto? Sabendo-o ou não, o David aparece-me sempre feliz, como se não tivesse mais 10 horas de lava-loiça pela frente. Não sei qual é o truque dele. Talvez adopte uma postura caeirista, se assim se poderá chamar. Talvez fosse mais feliz se partilhasse da ingenuidade do David. Se não me preocupasse.
E depois há o David, que trabalha no restaurante onde almoço todos os dias. O David que fugiu de um destino mais que certo a uma aldeia no interior norte do país. Nos dias em que está mais brincalhão, pede-me em casamento e diz que vamos fugir para longe, fugir do namorado que eu o faço acreditar que tenho. O David lava a loiça, recolhe pratos, serve à mesa. E infalivelmente, pelas 10h ou 11h da manhã, é vê-lo entrar porta adentro a pedir que lhe troque moedas e sorrisos. Ponho-me no lugar dele e fico a imaginar se sentirá as mesmas angústias que eu, se é infeliz no trabalho, se se sentirá frustrado por não fazer mais por si próprio e pelo mundo. Será que ele sabe que existe o Carpe Diem, será que o sente enquanto recolhe um copo sujo de vinho, enquanto esfrega a gordura de um prato, ou quando a namorada o recebe em, casa cansado ao final do dia? Sabes do que falo, David? Imaginas o que sinto? Sabendo-o ou não, o David aparece-me sempre feliz, como se não tivesse mais 10 horas de lava-loiça pela frente. Não sei qual é o truque dele. Talvez adopte uma postura caeirista, se assim se poderá chamar. Talvez fosse mais feliz se partilhasse da ingenuidade do David. Se não me preocupasse.
2 comentários:
Muito interessante.
Carpe diem, ou aproveita o momento... A ideia tem sido um bocado deturpada pelo ideário consumisma. "Aproveitar o momento" não significa em rigor não tomar em conta o futuro. Mas que essa interpretação dá jeito a quem vende, claro que dá. A conta virá a seguir... tão certa como os impostos e como a morte.
Olha, eu prefiro a máxima dos gauleses do Astérix: de nada ter medo a não ser de que o céu nos caia em cima da cabeça... mas acreditando que amanhã não será a véspera desse dia! :-) Dá um abraço meu ao David.
Gostei da reflexão, mas existe o factor "background" muito determinante no meio de tudo isso e que influencia a forma como cada um leva essa ideia de "carpe diem".
Se pensarmos no background do David e depois no teu, provavelmente são bastante diferentes, o que faz com que a forma como " aproveitam cada dia" seja diferente e o que vos enche as medidas, em termos de realização pessoal, é também muito diferente.
Ahs vezes basta um acontecimento na nossa vida para tudo isso mudar, por isso nem sequer é algo eterno.
Se falarmos de uma criança em África que quase não tem o que comer, a forma como ela se sente realizada no final do dia é completamente diferente da de uma criança ocidental de boas famílias.
Eu pessoalmente não gosto de fazer esse tipo de comparações porque acho que existem tantos factores em jogo, que não se podem simplesmente comparar a vida de duas pessoas.
Cada uma terá os seus problemas, alegrias, prazeres, etc. O que para uma pode ser a maior alegria da vida, para a outra pode ser algo banal. Está também muito associado com o nível de instrução e intelectual de cada um.
Mas quero que fique bem claro, que não prova se uma é melhor pessoa que a outra! São simplesmente diferentes.
Por isso, vive o melhor que sabes, persegue os teus sonhos dentro das tuas limitações e capacidades, arrisca quando sentes que deves e vai à luta!
Ás vezes o que nos realiza não está assim tão longe. Ás vezes bastam pequenas coisas para nos sentirmos óptimos. Mas cada um sabe de si e "Deus sabe de todos"como já dizia a minha avó!=P ( Não acredito nesta última parte, mas achei que ficava bonito pa rematar a ideia...=P)
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