Agosto foi sempre um mês de contradições. Os primeiros dias traziam sempre o cheiro inolvidável dos eucaliptos arrancados da terra e que iriam dar a cor à festa em honra da Nossa Senhora. Horas infinitas de correria rua acima rua abaixo, jogar às escondidas, a inevitável procissão, a eterna tristeza por nunca ser escolhida para interpretar um anjinho ou um dos pastorinhos. A Lúcia era a que eu queria mais ser. Nunca consegui nem uma coisa nem outra. Nem ser anjo, nem projecto de santa. Talvez aí resida a origem deste meu mau estar crescente relativamente a tudo o que diz respeito à Igreja, vá-se lá saber.
Meados de Agosto, o calor apertava e outro odor irreproduzível se fazia anunciar. A terra remexida pelas máquinas, a vegetação devastada ordeiramente, as mãos metidas ao chão. Era o tempo de se colherem as batatas, sementes jogadas à terra meses antes. Temperaturas infernais, uma vista torturante para o topo da aldeia, onde imaginava os meus amigos a jogarem às escondidas e à apanhada no que sobrava do arraial da festa. E eu ali, de rabo para o ar, amaldiçoando a cada gota de suor esse maldito fado que era ter que ir para o campo todos os anos.
Nunca cheguei a perceber se era mais forte o meu amor pelo arraial ou o meu desprezo pela lavoura à qual nunca consegui fugir.