25/10/2010

Listen First



Num suspiro inaudível, a terra inteira se curva à tua passagem. Os céus abrem-se num pranto infinito e soçobram num soluço eterno. O teu olhar não mais tocará as planícies desta terra, nem sentirás mais nas costas a passagem de um anjo. O anjo és tu, que me tocas o rosto a cada noite que adormeço. Não mais restará esta areia pegada que denuncie a tua passagem. Ficam areias de outros tempos, de tempos mais felizes em que caminhámos lado a lado, sem pensar que amanhã não seria já assim. Deixas-te um vazio imenso à tua passagem. Um buraco negro que num movimento centrípeto me suga todas as forças, me impregna de medos. Não mais te tenho para me abraçar sem condição, para me lembrar que vale a pena um sorriso, para me aconchegar numa noite fria de inverno que não acaba mais. Noite fria de inverno são todas as noites desde que te foste, e me deixaste neste deserto sem fim, neste mundo árido e cinzento onde não há mais vida. Dentro de mim, sempre e só um eco vazio da tua ausência. Uma certeza do que um dia nos aproximará. Uma morte doce e consumada, para trazer para dentro de nós o que mais importa. O amor incondicional de ser tua, antes, agora e sempre.

Abraça-me só mais uma vez, antes do impiedoso adeus. Antes de não restar mais calor que indicie a vida em ti de outros tempos. Suspira e deixa-te ir. Eu hei-de encontrar-te, sempre!



21/10/2010




Mas sabes bem que podia armar-me no romântico que não sou e dizer-te que és linda e inteligente e divertida e … todas as outras coisas que realmente és. Mas quantos gajos antes de mim já to disseram? E de vos serviu?

A bem dizer da verdade, de pouco. Nada mesmo. Gosto pouco dessas bajulices interesseiras. Gosto de gajos brutos, que me arrastem pelos cabelos, que me tomem no chão e me lembrem da brutalidade que é sermos humanos.

Como eu te percebo. É dessa animalidade que falo, um querer desmedido em estar em ti que não controlo. É por isso que te quero por perto. Porque me despojas de presunções, porque me tiras o chão debaixo dos pés, porque me acordas um sentimento violento de te querer como nunca antes vivenciei.

E achas mesmo que acredito nessas merdas que me dizes? Estás mesmo que dizeres isso com um cigarro na boca faz de ti um gajo sexy? Achas mesmo que me vais levar para a cama com essas filosofias de bolso? Limita-te por favor a ignorar a minha pela despida. Dispo-me porque sou da terra, porque gosto de sentir o arrepio em cada centímetro de pele, porque só despida me sinto inteira.

Sabes bem que te quero levar para a cama, não posso negá-lo. E nunca me julguei capaz de o fazer só pela minha escassa oratória, ou porque me ache um gajo sexy, como dizias. Mas animais que somos, sei que neste momento me queres tanto ou ainda mais do que eu te quero a ti. O teu cheiro diz-me isso, a tua pélvis irrequieta implora-o, e esse teu peito gritantemente insinuado… vais desmenti-lo?

Sou apenas um animal, se for para a cama contigo sabes bem quais os meus motivos. Não penses com isso que me tens para sempre, que a mim ninguém me tem.

E quanto mais repetes isso mais me atrais e me repeles. Sabes bem que te quero por inteiro. Não quero dispor do teu corpo porque ele me desnorteie, ou porque o teu intelecto me desequilibre. Quero-te porque me trazes de volta ao que é essencial, porque me desarmas a cada olhar, a cada gesto que articulas, a cada palavra que proferes. Porque me sinto profano cada vez que olho para o teu corpo despido, que tenho por sagrado na nudez que ostenta.

Que exagero, o meu corpo não é nenhum templo. Não acredito em divindades.

Que tonta que és, completamente alheia à tua majestosidade. Ignoras a energia esmagadora que imprimes à tua passagem. Não quero ser só mais um cabrão que te teve por uma noite. Não quero beber de ti sem nada dar em troca.

Não sejas idiota. Despe-te e faz o que tens a fazer.

12/10/2010

Conversa


Como é que descreveria a sensação de estar a sós comigo mesma, foi isso que perguntou? Sim, era essa a pergunta. Desculpe, é a idade que já não me deixa ouvir como dantes. Olhe, para mim é algo muito parecido a caminhar nua e descalça numa floresta. A cada passo percorrido, o meu corpo recolhe-se numa tentativa vã de se proteger das dores infligidas aos pés pelos ramos partidos, pelas folhas secas, pelos pequenos animais rastejantes. Mas não me interprete mal, este é o MEU interior. É espinhoso, árido, seco, repleto de trilhos dolorosos que nunca deviam ter sido percorridos. Mas quero acreditar que outros existirão, menos encardidos, mais luminosos. Apercebi-me desta floresta espinhosa já demasiado tarde. Toda a minha vida, depositei o meu equilíbrio nos outros, nos outros me apoiei, e neles encontrei as forças que perdera em mim desde cedo. Não podia ter feito pior escolha. O meu ponto de equilíbrio, devia tê-lo trabalhado desde dentro. Devia tê-lo centrado em mim. Nunca em pessoas e situações sobre as quais nunca tive qualquer controle. A ilusão, enquanto existia, era perfeita. Era como um dia cheio de luz que nunca terminava, daqueles em que temos que erguer o braço e proteger os olhos de tanta claridade! Só me apercebia do quão nocivo esse comportamento era sempre que havia uma ruptura. Separações, perdas, derrotas e contrariedades. Toda e cada uma delas me puseram de frente aos meus maiores fantasmas, a todas as fragilidades que tinha e tenho dentro. Em cada uma dessas alturas, percebia a solidão imensa que era viver comigo mesma. Uma imensa paisagem lunar, sem sombra de luz que nela se projectasse, sem réstia de vida que alimentasse alguma esperança que fosse. Num desses períodos, um colega seu perguntou-me se era feliz e como é que essa felicidade me fazia sentir. Não precisei pensar muito. A felicidade para mim era o oposto da floresta que lhe descrevi antes. Felicidade para mim era uma sensação nítida de caminhar descalça numa praia imensa e deserta, num dia ameno e solarengo, propício ao descanso da alma. De enterrar os pés da areia e senti-la macia, e gostar de a sentir assim. E deitar-me na areia e ficar a ver as nuvens no seu movimento incessante que torna impossível desviar o olhar. Não poucas vezes me senti assim. Mas hoje olho para trás e sei que todos esses momentos foram a ilusão que a mim própria induzia. Porque mais ainda foram as vezes em que dei por mim descalça na floresta, à procura de um abrigo que não existia. Permite-me a distância dos anos ter hoje esta clarividência. Duvido que na altura me tivesse servido de alguma coisa. A alternância praia-floresta-praia-floresta foi um jogo ao qual nunca deixei de comparecer. Um jogo ao qual me entreguei sem reservas e que joguei inconsequentemente. E que apesar dos avisos, continuei a jogar. Colegas meus sem formação palpável diziam em anos idos terem frequentado a escola da vida. Eu? Fiz escola na dor, e dela bebi sem contemplações nem segundas hipóteses. Da carreira preenchida que tive, nada levo senão a mágoa imensa de continuar a sós comigo mesma. Até ao último suspiro que me leve deste calvário para uma praia onde hei-de ficar para sempre sob um sol imenso.