08/06/2009

Nos primórdios de nós.

As nossas conversas tiveram sempre pano para mangas. Ora porque entrávamos em desacordo, ora porque muito havia por dizer, ora porque ficávamos apenas embevecidos a ouvir-nos falar sobre os nossos sonhos, as ambições, os medos. Mas, acima de tudo, inspiravas-me. Fazias-me escrever, e melhor do que isso, escrever bem, algo que tem vindo a acontecer pouco.

Numa dessas (muitas) conversas, falámos sobre a paixão, assunto inevitável, lembraste? E o resultado foi este:

Há palavras que nos fazem pensar e olhar lá para dentro, ver coisas que tendencialmente escondemos lá no fundo. Li hoje alguém que se interrogava sobre o antónimo de paixão. E que, como sabemos, não existe. Ou se está, ou não se está, como dizia essa mesma pessoa.

A mim, é a saudade que me deixa a pensar. Por ser um vocábulo exclusivo da língua portuguesa (vá, em crioulo eles têm o sodade, mas não conta), por também não ter antónimo, e por doer quando se sente. A paixão também pode doer quando se sente. Mas só se for rejeitada, se for devolvida ao remetente, como aquela correspondência cujo destinatário faleceu ou mudou de endereço. Mas a saudade não a podemos devolver a ninguém, não posso nem consigo deixar de a sentir. A paixão, posso senti-la por outrém, se a pessoa a quem a dirijo não a quiser. Mas a saudade... não posso dirigi-la a mais ninguém que não a pessoa que ma deixou quando partiu. Tenho que esperar que ela deixei de doer. Quando ela aperta mesmo muito o coração, enrosco-me a um cantinho e deixo-me ficar assim, shhhhttt.... baixinho, em silêncio, sem réstia de ruído, à espera que a saudade passe, que não dê conta que eu lá estou. E ela vai e vem como uma tempestade, quando passa é devastadora, mas quando parte... Deixa um rasto de lágrimas que o rosto teima em secar, deixa um coração pequeno e apertado.

A paixão, se bem que não tão dolorosa, também tem que se lhe diga. Tenho uma amiga que diz que chega a apaixonar-se 3 e 4 vezes por noite. Por alguma palavra, gesto ou sorriso de alguém que lhe capta a atenção. Essas paixões fugazes são um combustível insubstituível à vida. Agora que penso nisso, às vezes também me apaixono e nem dou conta. Fico ali, embevecida, a ouvir alguém falar, as palavras soam a música, uma música que enebria. Um copo de vinho, uma conversa, um cigarro. Rastilhos para uma paixão que pode durar alguns segundos, uma noite, ou toda a vida.

Mas a paixão, se não a quiseres, posso sempre endereçá-la a quem a mereça. Já a saudade. Tem remetente único, vai registada e tem aviso de recepção. E nem adianta o carteiro perder a correspondência, ou enganar-se no número da porta.
A carta da saudade sabe bem qual a porta onde bater.

Ao que tu reagiste...:

A saudade também está muito associada à paixão, ao amor. Só sentimos saudade de quem amamos ou gostamos muito e que por alguma razão não pode ou não quer estar connosco.
É um sentimento incontrolável, mas que muitas vezes nos ajuda a perceber o quão importante alguém é ou foi para nós.
Mas um dia a saudade deixa de nos provocar...e ficamos bem com ela.
Penso eu de que...
*

2 comentários:

Porcos no Espaço disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Porcos no Espaço disse...

A passear pelo caótico jardim das desilusões? Join the club.

Bom texto. Já tinha saudades de te ler.